A copa do mundo da Rússia…uma copa de surpresas.
E agora José? A copa do mundo da Rússia acabou! Hoje se encerra mais uma edição daquele que é considerado por muitos como o maior evento do planeta. Um mês mágico, esperado há cada quatro anos, e que pra muita gente – como nós brasileiros, é claro – é sinônimo de uma espécie de carnaval extra, regado a feriados, dias festivos e reuniões descontraídas. A seleção brasileira não conquistou o tão sonhado hexa e, fora alguns lampejos, não chegou a empolgar um torcedor exigente como nós, acostumados a belos espetáculos em tom de verde e amarelo.
Mas, cá entre nós, mesmo com as coisas não saindo tão perfeitas como planejávamos, o mundial da Rússia nos permitiu presenciar situações interessantes e até didáticas, que de uma forma ou de outra foram capazes de elevar até o nível cultural das pessoas, que se sentam inocentemente no sofá buscando apreciar uma atividade esportiva e acabam se deparando com fatos que nos fazem conhecer mais e mais a espécie humana. Para o bem e para o mal!
Pra começar, como é bacana presenciar o verdadeiro desfile de diversidade que acontece nas arquibancadas dos estádios! É interessante ver, lado a lado, um saudita com suas roupas típicas e um sueco, pra nós sisudos e sérios, fantasiados com suas simbologias nacionais. Ali, apesar de se tratar de uma competição, por exemplo um iraniano não é inimigo do ocidente e por isso divide a arquibancada com um inglês sem grandes problemas. Isso, entre tantas outras rivalidades que durante aquele mês não passam de “picuinhas de boleiros”.
É bem verdade que as rusgas históricas entre países não ficam totalmente de fora, como foi possível perceber na partida entre croatas e russos, quando ao final, depois da vitória dos visitantes, atletas e torcedores da simpática equipe dos Bálcãs entoaram cânticos que relembram um passado que a humanidade tem preferido esquecer, daquele que é talvez o seu mais triste episódio, que foram as guerras mundiais. Ainda bem que os croatas tiveram o cuidado de se desculpar com os donos da casa, numa demonstração de que o espírito competitivo da copa deve – para o bem da humanidade – se restringir ao espaço circunscrito dos gramados.
Aliás, falando nisso, o que dizer dos anfitriões, que nós acostumamos a enxergar como fechados e frios, e que na prática deram um show de simpatia, alegria e até de tolerância, eles que são em geral tão marcados por posturas pra nós politicamente incorretas, como a homofobia, por exemplo. Foi legal ver os russos pintados com as cores do seu país e participando da festa de outras torcidas, inclusive aquelas muito diferentes como a brasileira que certamente não deixou lá muito tranquila a rotina das cidades nas quais a seleção jogou.
E falando de torcida brasileira, pra variar temos que falar das eternas ambiguidades que marcam o nosso país. Aquele mesmo povo que empolgou a todos naquela cena clássica sacudindo o metrô de Moscou, com a alegria e irreverência que o mundo já conhece, também protagonizou lamentáveis cenas de desrespeito, tanto com relação a estrangeiros, achincalhados em piadas de mau gosto e preconceituosas, quanto com relação aos episódios de abuso a mulheres. Uma terrível praga nacional, que infelizmente alguns poucos brasileiros não souberam evitar em terras russas.
Diga-se de passagem, uma imagem negativa que contou com a luxuosa participação – agora dentro do campo – do nosso maior craque, cujo talento sempre exuberante foi de um modo geral suprimido pela fama de cai-cai que acabou atrelada a sua imagem. E infelizmente são essas coisas que tendem a ficar gravadas na memória. Não importa que os ingleses, franceses e até os simpáticos japoneses tenham tentado ser malandros em alguns momentos. O que ficam são os memes que se espalharam pelo planeta, com nosso craque rolando pelo chão. Torçamos para que o mundo guarde a lembrança apenas do espírito festivo e alegre que os verdadeiros brasileiros espalharam pelo país europeu e também os bons momentos que Neymar protagonizou em várias partidas (não ter desequilibrado não quer dizer que tenha ido mal).
Aliás, ao se falar de craques, é preciso também lembrar que uma das marcas dessa copa foi a pouca efetividade das estrelas que mobilizavam todas as expectativas. Aqueles que inicialmente eram apontados como os maiores protagonistas do espetáculo, como Messi e Cristiano Ronaldo, não chegaram a encantar e acabaram dando lugar a outros nomes, que talvez sejam a partir de agora os grandes personagens do mundo da bola, como o francês Mbappé e o croata Modric. Coisas da caixinha de surpresa (um termo batido, é verdade) do futebol!
Enfim a copa se foi e é hora de o mundo todo voltar a suas realidades locais, seus conflitos, seus problemas e também seus motivos de alegria. O que fica de mais um mundial é a certeza de que a copa é na verdade como o mundo deveria ser o tempo todo. Um encontro de diversidade, festa e amizade, onde se pede desculpa ao ofendido e se abraça fraternalmente ao cidadão de uma outra nação, como irmãos em humanidade que somos. Que mais uma copa nos sirva de modelo para construirmos um planeta onde verdadeiramente se viva em paz e harmonia. Até o Catar daqui há quatro longos (mas nem tanto) anos.
Por Sandro Gomes | Professor, escritor, mestre em literatura brasileira e revisor da Revista Appai Educar.
Deixar comentário