Tecnologia baseada em jogos digitais

Como gamificar com poucos recursos? Como tornar esse processo inclusivo? Como adaptar jogos tradicionais nesse mar tecnológico? Essas e outras perguntas você confere nessa matéria exclusiva!


Normalmente quando tratamos de um tema, o mais comum é começar explicando qual o seu significado. Mas, quando falamos de inovação, de criatividade, o céu é o limite. Ao perguntar ao docente Thiago do Carmo Lopes – licenciado em matemática, mas atuando como Professor Articulador do Colaboratorio do GET Pablo Picasso, localizado na Zona Oeste – o que é gamificação, a resposta foi primeiramente desmitificar um entendimento errôneo acerca do tema. De acordo com ele, não se trata do uso de jogos considerados clássicos, ou mesmo o de alguns contemporâneos, em sala de aula, como bem destacam vários autores.  

“Gamificação é uma estratégia de promoção ativa de aprendizagem a partir do design de experiências digitais e mecânicas de jogos para motivar e engajar os estudantes, ou seja, é a utilização desses elementos lúdicos, sistema de pontuação, ranking, premiações, fases, evolução progressiva de dificuldades, de desafios, com intencionalidade pedagógica. Hoje, em alguns contextos, a gamificação se torna uma ferramenta poderosa porque pode proporcionar ao estudante um ambiente motivador, que desperte nele engajamento, reflexão, aprofundamento de conceitos, generalizações de modelos escaláveis, colaboratividade, resiliência, entre tantas outras habilidades e competências importantes para o século XXI”, esclarece Thiago Carmo Lopes. 

 

Por que ela é importante? 

Muitos ainda se perguntam por qual motivo a gamificação na educação é importante? Isso porque, mesmo no século XXI, muitas escolas, por várias razões, que vão desde infraestrutura até falta de investimento público ou até mesmo formação continuada dos professores, ainda não fazem uso dessa metodologia de adotar conceitos de jogos dentro do processo de aprendizagem com a amplitude e aprofundamento que esses recursos têm a oferecer.   

Segundo o professor Thiago, a gamificação permite acessarmos, principalmente, estudantes que se sentem desmotivados com o modelo tradicional de ensino, que tende a se caracterizar como uma abordagem excessivamente centrada no docente, onde ele é a única fonte do saber e todos recebem, de maneira transmissiva e apática, os conceitos de determinado campo do saber. “No sentido contrário a essa prática está a gamificação, isto é, ela pretende dar ao estudante agência e protagonismo na construção de seu saber, valorizando, inclusive, seus conhecimentos anteriores”.  

A gamificação, nesse sentido, atrai o estudante com os elementos dos jogos e permite que ele, agora motivado por tudo o que aparece nas competições (pontuação, gradação de desafios/dificuldade, rankings etc.), construa um conhecimento a partir de sua interação com a disputa”, garante. E nesse cenário, segundo o professor, estão contidas regras e complexidades variáveis, inclusive de conceitos, com o mundo e com os colegas, uma vez que em muitos casos os jogos necessitam de equipes de participantes. 

Desafios encontrados pelos professores ao tentar implementar a gamificação com recursos limitados 

O professor de Física e Educação Tecnológica no Colégio Teresiano, Thiago Tavares, afirma que, de uma forma generalizada, existe a dificuldade central para o acesso livre à grande rede. “Em um mundo dito conectado, é preciso repensar o acesso democrático a uma internet segura e eficiente em qualquer realidade na educação. Também é urgente oferecer nas escolas o apoio não só material, mas de capacitação profissional. Pois em muitas situações já ocorre o fato de educadores se adequarem a trabalhar de uma maneira analógica e acimentada devido às condições materiais frequentes”, destaca.  

 

Como adaptar jogos tradicionais nesse mar tecnológico? 

O educador Thiago Tavares pontua que o jogo, antes de uma abordagem didática, possui uma função social. Necessariamente é preciso compreender a importância daquelas brincadeiras em cada contexto, antes de assumir que elas necessitam de alguma mudança. “Diversos jogos e brincadeiras nascem e se reinventam no meio digital, então basta às vezes apenas perguntar aos estudantes o que eles têm a dizer sobre isso. O tradicional “stop” hoje já é reconhecido como “Gartic” e possui infinitas variações. Se o docente adota a tarefa de construir a releitura de um jogo, é preciso que nesse processo estejam incluídos aqueles que mais fazem uso deles: os próprios estudantes”, explica.  

 

Garantindo que a gamificação seja usada de maneira equitativa e inclusiva em sala de aula 

Para Thiago Tavares, primeiro é necessário começar da reflexão sobre o espaço escolar em suas mais variadas dimensões: onde minha escola fica, qual a realidade material dos estudantes, quais as questões urgentes, quais os casos de vulnerabilidade social, qual o padrão de consumo de internet (ou se ele não existe) e o que mais for importante analisar. “Tendo esses dados em mãos, é possível construir uma proposta que consiga englobar a todos. Um exemplo talvez seja o estudo da linguagem estética das redes, consequências do engajamento em torno de padrões de consumo e o estímulo de novas formas de comunicação e criatividade, amparadas em um comportamento crítico e ético”, exemplifica.  

 

Escolas ou professores que têm tido sucesso na implementação da tecnologia empreendedora em ambientes de recursos limitados 

A tecnologia empreendedora muitas vezes é vista apenas no prisma da robótica e automação. Mas existe uma via de trabalho, que hoje representa uma parte muito considerável do próprio mercado de consumo, que é a produção de conteúdo digital. Tavares destaca que qualquer pessoa, portando um celular, é capaz de criar comunidades em torno de seu conteúdo digital, mudando o paradigma de que apenas agências de publicidade conseguem atingir as emoções de um público consumidor. “No Colégio Teresiano, como objetivo do projeto político-pedagógico orientado a projetos sociais, há a necessidade de construir perfis digitais nas mais variadas redes (Instagram, TikTok) para atrair engajamento para as causas sociais defendidas durante a construção de seu projeto de vida. Para isso, não foi necessário (como instrumento) nada mais que o próprio celular dos estudantes”, afirma.

 

 

Os benefícios e a ludicidade 

Quando tratamos de gamificação, sobretudo em sala de aula, um dos pontos centrais certamente recai no eixo benefício. Entretanto, um outro ponto que inquieta os docentes é saber o limite, ou seja, a fronteira entre benefícios e diversão. O professor Thiago Lopes ressalta que a aprendizagem requer esforço, e que isso é um dado da realidade, algo irrefutável. Como diz o professor Clovis de Barros Filho: “melhorar nossa capacidade intelectiva requer tanto esforço quanto criar músculos, nadar travessias, correr maratonas”. Entretanto, ainda segundo Thiago, esse esforço cognitivo é mais palatável aos estudantes, quando temos abordagens que dialoguem com as coisas que os interessam.  

“Há autores que chamam isso de ‘diversão dura’. Jogos, normalmente, são categorizados pelos estudantes como momentos prazerosos. Dessa forma, as atividades, com intencionalidade pedagógica, que são gamificadas, quando presentes em sala de aula, motivam e atraem os discentes. Fazendo com que o estudante encontre prazer e diversão aliado ao desenvolvimento intelectivo e ao avanço de habilidades necessárias”, esclarece Thiago.  

Dentro ainda dessa narrativa, um outro ponto de muita dúvida para os professores talvez seja como, de que forma, ou qual seria o melhor formato, para a incorporação de elementos de jogos em sua metodologia de ensino sem a necessidade de recursos tecnológicos tão avançados? É importante que partamos do princípio de que, mesmo em tempo de grandes avanços tecnológicos, uma caneta, um lápis, uma folha de papel podem sair do lugarcomum e ser sim transformados em algo inovador, criativo e surpreendente.  

É o que mostra Thiago, ao apresentar o jogo “Trilha dos Restos”, construído com seus alunos do GET Pablo Picasso e apresentado na Bienal do Livro, e um outro, “Aprendendo a coletar”, produzido por ele e pelos estudantes. “Esse produto nasce de uma demanda dos próprios alunos. Eles observaram que muitas pessoas no entorno deles e no caminho que eles fazem para vir para a escola descartam resíduos sólidos de maneira irresponsável. Assim, propuseram que criássemos uma competição, onde as pessoas depositassem corretamente os resíduos nas suas respectivas lixeiras. Dado o nosso contexto, desenvolvemos o jogo utilizando a plataforma on-lineScratch, enfatizando que ambos os jogos apontam para princípios importantes”, atesta. 

 

Como funciona cada jogo? 

Lopes explica a transformação da escola municipal no GET Pablo Picasso com a construção do laboratório maker, com um modelo inovador que leva seus 240 alunos do Ensino Fundamental I a pensarem em propostas inovadoras e soluções criativas, com um trabalho interdisciplinar. Segundo Thiago, “a intenção dos jogos criados não é tão somente premiar aquele que consegue cumprir todas as etapas apresentadas pelos games, mas sobretudo levar os alunos a perceber a intencionalidade pedagógica, o protagonismo de cada um, intensificar a colaboração, a depuração dos possíveis problemas e exibição dos projetos”, afiança o professor. 

O professor destaca que a ideia central é levar o aluno, jogador, a descartar corretamente os resíduos nas respectivas lixeiras, antes que o cronômetro atinja a marca “100”. São três níveis ao todo, explica ele, frisando que a cada um deles o grau de dificuldade é incrementado com a aceleração na marcação do tempo, à medida que o usuário vai avançando nas fases. “Assim, podemos observar do relato acima os seguintes elementos do jogo: pontuação, gradação da dificuldade, cronômetro, história condutora, por exemplo”, enumera o docente.  

 Já o jogo “Trilha dos Restos”, por exemplo, foi criado a fim de permitir que estudantes da educação básica, que já tenham tido contato com as noções envolvendo as quatro operações, construam e/ou solidifiquem os conceitos relacionados à operação de divisão. Nesse caso, é facilmente observável a gradação da dificuldade à medida que se avança pelo tabuleiro e pelas possibilidades contidas no dado lançado, a necessidade de planejamento e antecipação de movimentos a serem realizados quando se está numa determinada casa perto da vitória, entre outros elementos.  

Para o professor, partir de jogos que dialoguem com a realidade dos estudantes, promover gradação de dificuldade e de desafios, incentivar os estudantes a não desistirem diante das possíveis derrotas/obstáculos, fomentar atuação colaborativa na resolução de problemas, são princípios importantes da gamificação, que podem ser implementados sem a necessidade de um aparato tecnológico de ponta. Mas ressalta que alguns princípios chave, independente das condições favoráveis de mais ou menos recursos, não podem ser desconsiderados ao se projetar jogos ou atividades. São eles “a intencionalidade pedagógica, protagonismo do aluno, diversão dura, colaboração, depuração dos possíveis problemas e exibição dos projetos”, atesta Thiago. 

 

Criatividade como um elemento central na gamificação da educação 

Se tem algo muito valorizado nos tempos atuais é a criatividade. Essa capacidade humana, extremamente valorizada, desempenha um papel fundamental na gamificação da educação, pois ela pode tornar o processo de ensino-aprendizagem mais envolvente e estimulante para os alunos. Um dos exemplos, segundo Thiago Lopes, é a Construção de Jogos. Na opinião do professor, permitir que o estudante crie seu próprio jogo, desde a história condutora, os personagens que comporão aquele game, as regras para premiar, punir, as gradações de dificuldades, ou seja, todos os elementos envolvidos são ferramentas que estão fundamentalmente associadas à capacidade criativa do discente.  

“Envolver os alunos na criação de seus próprios jogos educacionais é uma abordagem altamente criativa. Isso pode incluir o uso de ferramentas simples de criação ou programação para construir jogos que abordem tópicos específicos do currículo”, observa o docente, lembrando que é muito importante que sejam colocados para as turmas objetivos claros acerca do que se quer criar. Dentro desse contexto, Thiago pontuou alguns objetivos que, para ele, precisam constar na programação didático-pedagógica para nortear a criação dos estudantes. Vejamos:  

  • Defina um objetivo claro, dê clareza à intencionalidade pedagógica. Que habilidade, competência quero que meu aluno tenha. O que espero que ele aprenda com o desenvolvimento desse jogo?  
  • Produza com os estudantes uma história incrível: todo jogo tem que ter uma história motivante de fundo. 
  • Deixe que os estudantes estabeleçam as decisões dentro do jogo.  
  • Aponte caminhos e possibilidades, caso não surjam naturalmente, mas provoque o poder de proposição deles.  
  • Promova a colaboração.  
  • Encoraje os alunos a expor suas ideias e projetos.  
  • Crie oportunidades para os alunos compartilharem seus jogos com os colegas e celebre suas realizações. Isso pode aumentar a motivação para ser criativo. 

 

Vamos jogar?  

  • O jogo on-line “Aprendendo a coletar” foi desenvolvido com o uso da plataforma Scratch de programação em blocos.  
  • É composto de três fases e, à medida que o usuário conseguir descartar corretamente os resíduos sólidos nas respectivas lixeiras, antes que o cronômetro atinja o marco 100, ele avança para a próxima fase.  
  • O usuário começa o jogo com duas chances de errar, que aqui expressamos como “vidas”, e o cronômetro zerado. Porém, a dificuldade é progressiva e se expressa principalmente pela quantidade de resíduos que, a cada avanço de nível, aumentam em quantidade.  
  • Um outro incremento de dificuldade é a velocidade com que o cronômetro avança. Na fase 2, o cronômetro já tem um pequeno incremento em relação à fase 1 e o mesmo acontece com a fase 3, onde o impulso da velocidade é bem mais significativo, se comparado à fase 1. 
  • Na primeira fase, o usuário deverá clicar no resíduo que deseja descartar e, usando as teclas do teclado, movimentar os resíduos até a lixeira de sua preferência obedecendo, obviamente, os tipos de lixo estipulados para cada lixeira (vermelho para plásticos, amarelo para metais, verde para vidros e azul para papéis). 
  • Na segunda e na terceira fases, o usuário poderá usar o mouse para arrastar os resíduos até as lixeiras. 
  • Caso conclua com sucesso as três fases, será exibida a mensagem: “Parabéns, carioca! Tu é brabo!”. Caso não consiga cumprir as tarefas dentro do tempo, será exibida a mensagem “Game Over”. 

Por Antônia Figueiredo e Jéssica Almeida

 

Ginásio Educacional Tecnológico Pablo Picasso 

Rua Arari, s/nº – Padre Miguel – Rio de Janeiro/RJ 

CEP: 21870-000 

Tel.: (21) 3335-2602 

E-mail: emppicasso@rioeduca.net 

 

Colégio de Aplicação Teresiano – PUC Rio 

Rua Marquês de São Vicente, 331 – Gávea – Rio de Janeiro/RJ 

CEP: 22451-041 

Tel.: (21) 3206-2800 

 

*Thiago do Carmo Lopes é licenciado em Matemática pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e está na rede municipal de educação da Cidade do Rio de Janeiro desde 2012, quando atuava como secretário escolar. Em agosto de 2021, foi convocado para assumir o cargo de Professor de Ensino Fundamental – Anos Iniciais, da Rede Municipal de Educação da Cidade do Rio de Janeiro e atua, desde então, no Ginásio Educacional Tecnológico Pablo Picasso, na Oitava CRE. É Professor Articulador do Colaboratorio e atende todas as 239 crianças da escola, promovendo uma aprendizagem interdisciplinar mediada por vários tipos de tecnologia (de máquina de costura à modelagem e impressão 3D), com abordagem Steam, viabilizando uma aprendizagem “Hands-on” (mão na massa). 

 

Fotos: GET Pablo Picasso 


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