O que no cotidiano te é insuportável?
| Opinião especial para a matéria de capa da Edição 107 da Revista Appai Educar
Ouvi esta pergunta em um seminário no Hospital psiquiátrico São Pedro que me serviu como disparadora de um processo crítico, e é com ela que inicio esse texto e já digo a resposta. O que me é insuportável no cotidiano é a INTOLERÂNCIA! Mais do que o preconceito.
Voltaire diferencia intolerância de preconceito onde coloca: “O preconceito é uma opinião sem julgamento”: e até afirma a existência de “preconceitos universais, necessários, que representam a própria virtude”. E a intolerância é a dificuldade de o ser humano aceitar “bipolaridades”, especificamente as religiosas, o que pode levar o homem a um comportamento agressivo, à perseguição do adversário.
Evitar a intolerância é possível, se a sociedade puder desfrutar de boa educação, inclusive a linguística, e estiver, conforme o conceito de Adorno (1971), orientada contra a barbárie. Libertar-se dela é resistir sem destruir, sem ofender, sem agredir pela linguagem ou pelas ações.
A língua costuma espelhar o que acontece na sociedade. Pode acontecer de pensamento e realidade serem intraduzíveis. Não porque haja lacunas na língua, mas porque o sujeito mal compreende a realidade ou seu próprio pensamento.
Então, professores e leitores da Revista Appai Educar, só aí já temos uma missão, a de incluir. A inclusão pode ser colocada como uma estratégia que (re)configura os espaços escolares e as ações realizadas nas escolas. É um fazer fluir para fazer sair, é uma necessidade contemporânea de desenvolver habilidades que faz da escola um espaço transitório e de estímulo ao desejo de um futuro melhor numa sociedade neoliberal que formata as pessoas no presente colocando-as no lugar de sujeito aprendente, ou seja, de alguém que precisa cada vez mais aprender. Aqui, a ideia é tentar ampliar o olhar para a intolerância e o que ela quer nos dizer. Essa escrita era mais para provocar reflexão, já que as realidades são diferentes e paralelas, mas acho importante compartilhar algumas coisas que aprendi na minha caminhada.
É legal trazer o movimento de mediação de conflitos nas escolas, pois existe uma implicação legal dos alunos e tem dado bons resultados. Trabalhar com outras linguagens, filmes, música, fotografia, estimular o debate entre os alunos. Aprendi que tudo que não é dito não é elaborado, ou seja, tudo o que não for trabalhado na escola, o que ele não escuta, de alguma forma volta, em forma até de violência.
Se fazer entender é uma dificuldade, precisamos assumir isso. Tudo tem uma história e um contexto, inclusive nós, e é importante termos isso claro, pois serve de ferramenta para nós e para o outro. Promover a polêmica é bom, é importante aceitarmos que as diferenças existem e tentar entender o lugar de fala do outro. O meu lugar de fala é de um homem cisgênero (que se identifica com seu sexo biológico), branco (de origem afro) de orientação homossexual, 28 anos, de família que mudou de configuração ao longo dos anos (divórcios, irmãos, pais) e psicólogo. Essa opinião que aqui vos escrevo foi construída com muita vida, assim como várias outras aí pelo mundo.
O que no cotidiano nos é insuportável? Talvez lidar com a diferença, se desconstruir, se refazer, reaprender, dificuldades de completar as missões que nós mesmos nos damos, aceitar o possível… O que nos é insuportável?
Vinicius Cardoso Pasqualin é psicólogo (CRP 07/22901), especialista em Família, Casal e Sexualidade, mestrando em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Membro do núcleo de estudos continuados DOMUS. Além de psicólogo clínico e escolar.
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