O Romantismo – Dos livros para as telas nossas de cada dia


Quem hoje se encanta vendo as cenas de grandes amores e encontros apaixonados que em geral marcam os momentos finais das novelas e filmes, nem sempre desconfia que toda essa cultura tem início nos romances e folhetins típicos do estilo de época conhecido como Romantismo. Na contramão da cultura do iluminismo, que via na supremacia da razão um caminho fundamental contra o que julgava ser frutos da superstição e do religiosismo, algumas iniciativas na Europa se encarregaram de trazer à tona antigas práticas que sugeriam uma visão de mundo ligada ao terreno do mágico ou maravilhoso, portanto em confronto com os postulados de razão e ciência, próprios dos iluministas.

Dentre elas, pode-se citar a obra dos irmãos Grimm na Alemanha, que se ocupam em revitalizar antigas histórias e contos populares, e escritores como Richard Steele, que mergulha no repertório de canções folclóricas britânicas, buscando dessa forma novas referências estéticas. Intervenções como essas estavam relacionadas a uma nova visão em que a arte e a literatura deixam de ser compreendidas apenas como atividade superior, realizada por membros das elites, e passa-se a vislumbrar na cultura das classes populares uma riqueza criativa e uma espontaneidade, que são vistas como fonte de renovação de uma cultura e de suas consequentes criações.

Surge então na Alemanha o conceito de “Volk” (povo), que prestigia a engenhosidade das massas em detrimento de autores individuais. O povo, nessa visão, é portador de uma espécie de essência, idealizada como alma da nação e matéria para a criação artística. O resultado desse novo olhar sobre a arte de criar foi a desvalorização da arte e do pensamento clássicos, associados às elites, e consequentemente a consagração de uma arte leiga, à feição do perfil burguês que nessa época ascende na economia dos países europeus.

Essa nova ordem de coisas abre caminho para uma série de manifestações e temáticas, que com frequência vão ser exploradas pelos autores românticos. Uma delas é o subjetivismo, expressão do mundo íntimo do artista, que expõe a sua sentimentalidade e oferece naturalmente uma visão apenas parcial das questões. Ligada a essa ideia, surge outro traço comum no espírito romântico, que é a exaltação e ênfase nos sentimentos, o que traz à tona temáticas que serão sempre muito presentes na maior parte dos autores, como o saudosismo, a tristeza e a nostalgia.

O sujeito romântico, emaranhado em questões sentimentais, flerta com expressões de egocentrismo e narcisismo, que não raro extrapolam as criações artísticas e repercutem em estilos de vida e posturas sociais esdrúxulas e por vezes agressivas, popularizadas principalmente entre os jovens da segunda geração de poetas, tendo na figura de Lord Byron talvez sua mais emblemática expressão. O jovem poeta inglês torna-se lendário em todos os lugares nos quais sua obra fica conhecida, não apenas por sua originalidade, mas também pelo seu modo de vida, marcado por hábitos como o cultivo da vida soturna, a entrega aos prazeres boêmios e até práticas dotadas de raro excentrismo, como o satanismo e o incesto.

Mas, a despeito da atração por maneiras um tanto desvairadas de viver, os românticos também se aplicaram a temáticas mais profundas, como a religião e o misticismo. Como tendem a uma posição sempre muito crítica da cultura clássica e do seu materialismo racionalista, os românticos se aproximam de uma certa valorização das questões místicas e por consequência de um interesse maior pelas referências do mundo medieval. A “noite da humanidade”, como se rotula ao longo do século XIX a Idade Média, vai instigar a imaginação criativa romântica, com suas histórias de aventuras, amores proibidos e acontecimentos mágicos, enredos sob medida para a cultura de escapismo e refúgio na imaginação, presentes’ nos artistas desse período.

O romantismo também ofereceu espaço a certas preocupações sociais e políticas. Apesar da ênfase no pessimismo e na descrença dos valores racionais e científicos, os artistas ajudariam a consolidar a supremacia de uma ordem social liberal em detrimento de uma visão monárquica de mundo. Os heróis românticos raramente são nobres ou reis, sendo antes figuras populares, constrangidas pelos preceitos sociais das elites e que superam obstáculos no campo do mundo feito pelos homens para realizar suas façanhas.

Na Europa essa opção pelo liberalismo colaboraria para a sedimentação de valores coletivos, que atingissem a população como um todo, ajudando a consolidar o formato dos estados-nação então emergentes, como a pátria, a terra e a natureza local. Nos países americanos, ocupados por europeus, tais expressões nacionalistas estariam ligadas a questões como os movimentos de independência, a exaltação dos modos de vida populares e do folclore e a valorização dos autóctones do continente. Entre nós, esse viés se expressaria no chamado indianismo, com o qual se pretendia criar um tipo cultural essencial e mítico.

Na esteira das preocupações sociais e políticas, destaca-se a corrente que seria denominada condoreirismo, mais assumida pelos artistas da terceira geração romântica, voltada para ações mais concretas, através do fazer artístico e poético, para o estabelecimento de questões sociais e de direitos. A postura “condoreira” é para alguns identificada como a ancestral do nosso atual ativismo. Exemplos importantes de autores filiados a essa função da arte são o do francês Victor Hugo e sua militância em favor de causas sociais e humanitárias, e de Castro Alves, cuja poesia se tornaria um símbolo da luta contra a escravidão no Brasil.

O ideário romântico também abriga a contestação no campo de uma estética da criação. Ao rejeitar os padrões clássicos, com seu rigor de formas e modos, os poetas advogariam a liberdade poética, empregariam experiências de linguagem aproximadas do coloquial, que afinal se situa mais próxima da fala do povo, e não hesitariam em empregar versos livre e brancos, antecipando propostas que pouco mais tarde seriam assumidas pelos modernos. Na prosa a contribuição do mundo romântico seria preponderante para a consolidação do romance como gênero e ainda revitalizaria formas específicas como os chamados romances góticos.

Ambientados em geral em ambientes sombrios, como castelos e templos, continham toda uma abordagem do mistério, da paixão trágica, das reações histéricas e exageradas e até do bizarro e do chocante. Um estilo que muitos autores assinalam como precursor de subgêneros atualmente em voga, como as histórias de terror, as literaturas femininas e mesmo as narrativas de ficção científica. Aliás, vista no conjunto, a expressão romântica poderia ser entendida como fonte de várias expressões da chamada cultura de massa, como a preferência por temas amorosos, o culto da velocidade e do heroísmo e a exaltação da simplicidade como estância moralizadora e ética.

Os heróis, galãs, vilões e moças belas e sedutoras que hoje povoam as telenovelas brasileiras são um resultado direto dessa cultura gerada pelos nossos ancestrais românticos. Não é à toa que, explorando o modo de vida popular e criando na ficção o mundo onde os sonhos se realizam, a cultura de massa pôde se estabelecer como tal, sendo hoje um dos principais pontos de partida para a disseminação de ideias, costumes, modas e até por formas de ver o mundo. O popstar Lord Byron está mais vivo do que nunca na pele dos personagens da tela que muitas vezes atingem a vida privada dos artistas, numa espécie de revezamento entre a realidade e a ficção, que nos torna mais próximos do mundo romântico do que supõe nossa vã noção de modernidade.

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Por Sandro Gomes | Professor, escritor, mestre em literatura brasileira e revisor da Revista Appai Educar.


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