Como lidar com a ansiedade na escola?
Cada indivíduo reage aos desafios da vida de uma maneira específica. Duas crianças, por exemplo, mesmo que sejam de uma mesma família, que tenha o mesmo pai e a mesma mãe, se relacionam com essa família em um tempo diferente. Sendo assim, aprendem de maneira diferente também. O que para uma pessoa pode ser considerado comum, para outra pode causar ansiedade. Um sentimento de incômodo que o indivíduo não controla e geralmente está relacionada a situações de antecipação de problemas.
Na escola, o mais comum é o transtorno de ansiedade de separação, onde a criança se recusa a se desligar das figuras parentais, com dificuldade de entrar na instituição ou na sala de aula. Mas afinal como a escola ou o professor podem identificar um aluno ansioso? Por que é importante para o docente se importar com o nível de ansiedade dos estudantes? A ansiedade interfere na aprendizagem? Que tipo de comportamento da parte do professor pode aumentar o nível de ansiedade nos alunos? Para responder essas e outras perguntas, convidamos a psicopedagoga Cristiane Guedes, que explicou em detalhes essas questões para a Revista Appai Educar. Confira:
RAE: Como a escola ou o professor podem identificar um aluno ansioso?
Cristiane: As reações, por se tratarem de indivíduos, podem ser diversas. Na maioria das vezes caracterizadas por um medo específico fora de proporção em relação a um risco eminente, que por sua vez é representado por fobias. Estas se apresentam, por exemplo, como medo exacerbado de animais, do ambiente ou de ferimentos. Podem aparecer também por mutismo seletivo, que seria um comportamento de esquiva, de afastamento do grupo. Além dessas questões abordadas, ainda é comum na escola o transtorno de ansiedade de separação, onde a criança se recusa a se desligar das figuras parentais, com problemas para entrar nas dependências ou na sala de aula. Esses são sintomas que devem ser avaliados pela equipe pedagógica. A família deve ser informada para que possa buscar uma ajuda especializada. Em se tratando de criança, é importante que se procure o auxílio do pediatra que a acompanha para uma indicação específica.
RAE: Por que é importante para o professor se importar com o nível de ansiedade de seus alunos?
Cristiane: É importante que o professor esteja atento à criança quando alguns desses sintomas são reconhecidos. A pessoa acometida pelo transtorno de ansiedade pouco se identifica com as questões da aprendizagem. O temor eminente nesse momento torna-se mais real e inviabiliza na criança a possibilidade de interação, seja no âmbito acadêmico ou no social.
RAE: A ansiedade interfere na aprendizagem?
Cristiane: Sim, interfere na aprendizagem e com relevância. O indivíduo relega para segundo plano a possibilidade de interagir. A angústia de forma sintomática o acomete. E no quadro que se apresenta dificilmente a criança estaria disponível para a aprendizagem.
RAE: Pais e professores tendem a fazer ajustes quando lidam com crianças ansiosas. Por que isso, ao contrário do que diz o senso comum, não é bom?
Cristiane: O adulto, de certa forma, pensa de maneira prática para a resolução de problemas. Tem a capacidade cognitiva de prever ou antecipar resultados. Muitas das vezes, por tentativa ou ansiedade para resolver as situações, tenta induzir a criança, o que não basta para que o problema seja solucionado. Quando está em um quadro sintomático, é porque algo não está indo bem e ela precisa de um tempo para a resolução de problemas. Nem sempre o transtorno de ansiedade está relacionado a uma situação específica, podendo também estar associado a uma repulsa da criança a determinadas convenções sociais que são da esfera do pensar do adulto. Portanto, a resolução de problemas não deve estar relacionada a ajustes, mas, sim, à demanda do sujeito. Nesses casos, a ajuda de um especialista é de fundamental importância.
RAE: A superproteção de uma criança também contribui para agravar os casos de ansiedade?
Cristiane: São questões complexas. Os adultos pensam com certa praticidade e em muitos momentos antecipam os processos de aprendizagem da criança. Sendo feito dessa maneira, não há um favorecimento para a criança quanto à possibilidade de constituir-se como sujeito autor de sua própria história. Assim, não deixamos que a criança decida como deve agir em determinadas situações. Promove-se com isso uma dependência que, conforme as exigências da sociedade, vão se tornando mais complexas, a criança vai tendo dificuldades para a resolução de problemas. Dessa forma, cada vez mais o adulto vai se ocupando em resolver as questões que de uma maneira evolutiva deveriam ser resolvidas pela criança em seu tempo. Essa relação de impotência fica caracterizada pelos pequenos como inabilidade social e, com isso, a interação vai se tornando cada vez mais fragilizada. Ela não consegue então se relacionar no seu meio social, escola, parque, casa de uma maneira satisfatória dentro de seus parâmetros de eficiência. Sim, a superproteção pode, então, contribuir para o estado de ansiedade pela impossibilidade na ação.
RAE: Que tipo de comportamento da parte do professor pode aumentar o nível de ansiedade nos alunos?
Cristiane: As exigências acadêmicas estão, cada vez mais, imprimindo nas crianças que sejam eficientes. Da mesma forma que as estatísticas da OMS sobre o transtorno de ansiedade deveriam ser visitadas pelas políticas públicas, também na escola as políticas educacionais deveriam ser revistas. A Educação Infantil, no caso, deveria ser um espaço onde a criança trabalharia especificamente a psicomotricidade, as relações e deveria ter seu tempo de se constituir respeitado. Realmente o tema não tem sido tratado desta forma. Com as exigências da sociedade, a criança hoje, na escola, tem sido induzida a uma educação formal. Ela é avaliada por seu desempenho acadêmico e não por suas conquistas pessoais. Temos que entender que a criança deve ter o tempo de ser criança. Não se pode avaliá-la apenas por uma nota. Nessa competitividade estabelecida, também o professor é alvo de avaliação. A turma deve estar em um determinado nível. O que entender de minha colocação? Também o professor está sendo avaliado e induzido a uma qualidade de interação ansiosa. Portanto, as políticas educacionais devem estar atentas ao tipo de comportamento que pode aumentar a ansiedade no professor. E consequentemente alterar o convívio com seu aluno.
RAE: Que tipo de recomendações ou conselhos você daria a um professor para que ele se relacione melhor com alunos ansiosos?
Cristiane: A relação deve ser sempre de acolhimento. A criança acometida pelo transtorno de ansiedade está de certa forma rejeitando as convenções propostas pela sociedade. Deve-se distinguir aquilo que pertence à família daquilo que pertence aos desafios impostos pela sociedade. Nem sempre a criança está pronta para corresponder às exigências que se apresentam. A maior contribuição do professor será, então, ter sensibilidade no trato e acolhimento.
RAE: O que acontece se o professor também for ansioso?
Cristiane: A convivência é uma via de mão dupla. Tudo o que vai, volta. O professor ansioso deve ser diagnosticado, e a escola pode auxiliar dando suporte as suas necessidades. O professor ansioso certamente promoverá a ansiedade na turma, podendo prevalecer uma má qualidade relacional com os alunos e, por consequência, uma má administração dos conteúdos.
RAE: Que tipo de informação os professores e os gestores públicos deveriam saber sobre a ansiedade?
Cristiane: É importante a visita do especialista para que possam ser informados acerca do transtorno. Aos gestores e aos professores cabe a sensibilidade no trato com a criança acometida pelo sintoma da ansiedade. Ela geralmente tem um comportamento diferente das demais. Cabe o entendimento de que o transtorno de ansiedade não é semelhante ao medo que geralmente acomete a criança em situações adaptativas. Ele persiste em um período longo e causa danos na relação social. O transtorno de ansiedade aparece desde muito cedo com a dificuldade da criança em se separar da figura de apego – ansiedade de separação. A criança geralmente se coloca esquiva em relação aos demais do grupo. Tem dificuldade de comunicar-se em grupo, apresenta mutismo seletivo e está sempre na condição de ansiedade antecipatória sobre qualquer tema proposto, o que compromete a capacidade cognitiva. É importante a visita de profissionais qualificados para abordar o tema junto à comunidade educativa e à família. É necessário compreender que a criança acometida por qualquer transtorno está em sofrimento. É preciso o entendimento de que o transtorno de ansiedade não é como o qualificado na sociedade, uma “bobagem” ou algo “passageiro”. Ele provoca angústia, medo e consequentemente o afastamento da criança do grupo. A inabilidade cognitiva gera o fracasso na criança e por corolário a dificuldade de ascensão no grupo pelas notas ou qualquer outra atividade que exija dela um comprometimento mais específico. A atitude de acolhimento e aconselhamento aos pais é de fundamental importância, pois também eles entram em sofrimento.
RAE: As pessoas estão mais ansiosas hoje do que há 100 anos?
Cristiane: Vamos falar no hoje. A complexidade da vida contemporânea tem sim aumentado a condição do transtorno de ansiedade. Levantamentos da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que atualmente cerca de 33% da população mundial sofre de ansiedade. O Brasil tem aparecido sempre entre os primeiros da lista na pesquisa atual da OMS. As exigências na sociedade estão muito exacerbadas. A abrangência do compromisso em termos de se estabelecer em sociedade tem sido o principal agravante para a etiologia do transtorno de ansiedade entre os adultos.
RAE: E no longo prazo? As pessoas se tornam mais ansiosas?
Cristiane: Os dados da OMS nos serviriam para uma prática mais adequada das políticas públicas. É certo que a situação atual de nosso país muito tem colaborado para a disseminação do transtorno de ansiedade, como está demonstrado na estatística que consta da pesquisa da OMS. Percebemos um avanço significativo na questão. Então se o adulto está atravessando essa fase, imaginemos as crianças. Na atualidade, não estamos tendo tempo e muito menos dando tempo para que elas possam viver cada etapa de desenvolvimento, de uma forma significativa. Estamos nos constituindo a partir de uma pressa exacerbada de resultados esperados pela sociedade. Só que, para os obtermos em boa medida, temos que nos constituir, experimentar e decidir. A qualidade da decisão, por estar no contexto da pressa, quase sempre nos faz retornar ao pensamento original por não termos dado conta de realmente elaborar uma decisão segura. Seria então um ciclo vicioso do qual o sintoma muita das vezes liberta.
Cristiane Guedes tem Licenciatura em Educação Artística pelo Instituto Metodista Bennett (1991). Possui experiência na área de Educação, Mestranda em Psicanálise, Saúde e Sociedade – Universidade Veiga de Almeida.
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