Saúde Emocional nas Escolas

Promover o bem-estar psicológico é fundamental para um aprendizado de qualidade e inclusivo


A promoção da saúde emocional nas escolas é um investimento no futuro dos nossos jovens. Ao criar ambientes acolhedores e seguros, oferecendo suporte emocional e desenvolvendo habilidades socioemocionais, as escolas contribuem para a formação de cidadãos mais felizes, saudáveis e preparados para enfrentar os desafios da vida. Esse olhar para com nossos jovens precisa ser a cada dia mais direcionado, uma vez que, a cada ano, mais e mais crianças brasileiras são diagnosticadas com transtornos como TDAH, autismo e ansiedade.

No entanto, a maioria das escolas não está preparada para atender a essa diversidade. A falta de professores capacitados, recursos adequados e uma cultura inclusiva cria barreiras para o aprendizado desses alunos. Como garantir que todas as crianças tenham o direito de aprender e se desenvolver em um ambiente escolar acolhedor e desafiador?

Diante de tantas perguntas sobre o tema, a Revista Appai Educar reuniu três especialistas para oferecer insights, propor direcionamentos e colocar seus pontos de vista. A ideia é fortalecer a colaboração entre professores, famílias e comunidade, garantindo uma educação inclusiva de qualidade, equidade e bem-estar para todos os estudantes. Afinal, a educação inclusiva, sobretudo o papel da inteligência emocional no processo de ensino-aprendizagem, é uma responsabilidade de toda a sociedade.

 

Educação emocional contribui para o bem-estar dos alunos

Paty Fonte, consultora educacional, especialista em Pedagogia de Projetos e Educação Infantil, também autora de livros (entre eles, “Competências socioemocionais na escola” e “Práticas socioemocionais para dinamizar o ambiente escolar”, ambos pela WAK Editora), pontua como é possível contribuir para o bem-estar dos alunos, especialmente daqueles que enfrentam transtornos psicológicos como ansiedade, depressão e TDAH, além de deficiências físicas e intelectuais. “Através da Educação Emocional, crianças e adolescentes aprendem a reconhecer, identificar, entender e gerenciar suas emoções. É um processo de autoconhecimento que inclui estratégias para lidar com emoções negativas. Assim sendo, os alunos se tornam mais resilientes e menos propensos a desenvolver problemas de saúde mental. Agora, aqueles que já enfrentam transtornos psicológicos como ansiedade e depressão, ao conseguirem identificar os sinais, os gatilhos que agravam tais transtornos, devem buscar ajuda de forma mais rápida e assertiva. Além disso, as técnicas de relaxamento e mindfulness ensinadas na Educação Emocional ajudam a reduzir os sintomas”, completa.

Paty Fonte ainda destaca que pessoas com TDAH que são educadas emocionalmente desenvolvem habilidades de autocontrole, organização e planejamento, o que contribui, consideravelmente, para um melhor desempenho escolar e social. “A Educação Emocional promove maior compreensão e aceitação do grupo, de forma que os indivíduos com deficiências físicas e intelectuais desenvolvem habilidades como autoconfiança e autoestima mais elevada, o que os torna mais participativos”, atesta a especialista.

Para Sheyla Baum, Professora de Educação Infantil e pós-graduada em Neuroaprendizagem e Psicomotricidade (autora das obras “Livro da vida – pensar, sentir e se emocionar” e coautora de “O cérebro que se comunica – diálogo entre a neurociência e as diversas ciências”, ambos pela Wak Editora), a educação emocional mostra-se de suma importância, uma vez que a escola é o lugar apropriado para qualquer aluno desenvolver suas habilidades e superar seus limites. “É um rico espaço que possibilita o aprendizado por meio da interação e do interesse. E a inteligência emocional e as competências socioemocionais podem contribuir grandemente para todos os envolvidos, seja alunos, professores e equipe de apoio”. Sheyla afirma também que ser afetivo é trabalhar com as qualidades, as emoções, os interesses e sonhos que temos. E aponta três dimensões afetivas no ambiente escolar que podem ser estimuladas.

  • Pessoal: desenvolvendo a autoestima do professor e dos alunos, revelando as raízes da motivação e do interesse.

  • Social: estabelecendo as relações com aqueles que estão no campo escolar e que podem tornar o ambiente estimulante para a aprendizagem.

  • Pedagógica: estimulando os vínculos do aprendente e do professor com o objeto do estudo, produzindo um diálogo que facilite no processo de aquisição do conhecimento, na troca de saberes docentes e discentes, na cumplicidade de fazer o percurso de forma prazerosa.

Mediante as análises da professora, nossas emoções são poderosas em determinar como pensamos, agimos e reagimos em cada um dos momentos de nossa vida. Não podemos separar razão e emoção. “A emoção é, inclusive, parte integrante do processo do raciocínio e torna-se impossível dissociá-los. Sistema emocional e comportamento são inseparáveis, portanto as emoções, por si só, já são uma forma de comportamento”, assegura.

Já para Priscila Romero (Especialista em Orientação Educacional e Pedagógica, Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e Educação Especial com Ênfase em Autismo, além de autora dos livros “Aluno TDAH – a pedagogia e a realidade do transtorno” e “Aluno com deficiência intelectual – conceitos, perspectivas e orientações pedagógicas”), a estima dos alunos na escola é um ponto crucial na importância da avaliação na educação emocional. “Muitos dos nossos alunos, independentemente de suas condições – um transtorno mental, uma deficiência ou uma questão emocional, social ou econômica que lhe causa prejuízos –, frequentam as escolas com uma autoestima muito baixa. Muitos outros fogem! São estudantes que necessitam compreender quem são, o que estão passando e como ‘emergir’ e ‘respirar’. É inconcebível olhar para um aluno e só conseguir enxergá-lo como um indivíduo que deve estudar, deve tirar boas notas, deve obedecer”, lamenta Priscila.

Ainda segundo ela, a educação emocional estimula a reflexão, auxilia a compreensão do “hoje e agora” e, inevitavelmente, fortalece o elo entre aluno e aprendizagem. “Indivíduos que se conhecem melhor, que compreendem o próximo e se conectam com seu ‘entorno’ são capazes de realizar escolhas sábias, optar por melhores amigos, ter maior tempo de concentração e melhor compreensão de conteúdos, dentre tantas outras situações”, destaca.

 

Flexibilizar currículos e metodologias

Considerando a importância de flexibilizar currículos e metodologias para atender as necessidades individuais dos alunos com deficiência e transtornos emocionais, é primordial que se entenda como a educação emocional pode ser incorporada em salas de aula inclusivas, onde alunos com autismo ou outros transtornos podem ter necessidades diferenciadas.

Na opinião de Paty Fonte, é necessário planejar e implementar projetos de educação socioemocional que atendam a realidade de cada instituição, quiçá, de cada turma. “Isso passa pela formação continuada de professores, os quais também necessitam de atenção e cuidado para que se sintam seguros e desenvolvam a própria educação emocional”.

Outro ponto levantando pela Consultora Educacional foi o de se ter um ambiente propício, estruturado de forma segura e acolhedora onde todos se sintam confiantes e à vontade para expor seus sentimentos e emoções. “Parcerias com psicólogos, psicopedagogos, terapeutas ocupacionais e outros profissionais da saúde também são fundamentais em um espaço educacional que visa oportunizar Educação Emocional e Socioemocional”, pontua.

Ao falar sobre o tema, a professora Sheyla Baum defende uma abordagem educacional que valorize as emoções e as individualidades, visando promover o desenvolvimento integral de todos os alunos. Segundo ela, é preciso deixar claro que nosso processamento emocional é uma rede importantíssima para mobilizar nosso comportamento e tem estreitos vínculos nas funções mais corticais auxiliando-as de inúmeras formas. “A autorregulação emocional inclui reconhecer e gerenciar as suas próprias emoções, ter autoconfiança e autocontrole, controlar a impulsividade, o nervosismo, a agressividade e a euforia excessiva, saber o quanto seu estado emocional pode interferir nas suas tomadas de decisão, na realização de tarefas e no seu comportamento. Todos esses valores são de grande valia na vida pessoal e profissional”, afirma.

Já na perspectiva de Priscila Romero, a educação emocional deve ser também considerada geradora de conteúdos importantes, dentro da escola. “E para trabalhar tais questões, os professores devem utilizar recursos de amplo alcance, pensando em nosso cotidiano tecnológico que invade nossas casas. A leitura de um bom livro é indispensável, sem dúvida, mas o professor (do presente) necessita alcançar a atenção de seus alunos, e acredito que consiga fazê-lo trazendo apontamentos, questões, exemplos por meio de vídeos curtos, podcasts, atividades dinâmicas com conteúdo pertinente ao que nossas crianças e adolescentes passam e/ou conhecem. É importante lembrar que devemos ouvir nossos alunos sem pensar em críticas e repreensões”, sugestiona a especialista em Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva.

 

As diversas artes como ponte para o desenvolvimento socioemocional

 

A busca por práticas eficazes para desenvolver as habilidades socioemocionais dos alunos é constante. No entanto, a diversidade de contextos escolares e as necessidades individuais dos estudantes exigem abordagens personalizadas, descartando a ideia de uma receita única. Paty Fonte concorda que as práticas são inúmeras, inclusive em um dos seus livros aponta várias dinâmicas, propostas de atividades e relata projetos que foram realizados com sucesso.

Paty destaca que tais atividades podem ser integradas de maneira interdisciplinar. “As artes ensinam aos alunos que os problemas reais podem ter mais do que uma solução possível, que é necessário analisar as tarefas nas diferentes perspectivas. Que a imaginação é poderosa nos processos de resolução e que nem sempre existem regras definidas quando temos que tomar decisões. A expressão artística ajuda a diminuir a ansiedade, os sentimentos de raiva e depressão. Todo este processo criativo melhora as habilidades cognitivas, fomenta uma maior autoconsciência e ajuda na autorregulação”, enumera a especialista.

A aprendizagem alegre estimula a memória, conforme aponta Sheyla Baum, realçando que ler com prazer ajuda a reter as palavras, assim como cantar alegremente as tabelas aritméticas mentais torna mais fácil integrá-las. “Por outro lado, uma grande onda de emoção interrompe a compreensão. Este é o caso quando ficamos chateados com notícias desagradáveis e então temos dificuldade de nos concentrar. Essas descobertas são comprovadas cientificamente pelas neurociências, disciplinas que estudam os mecanismos neuronais. Aqueles chamados de ‘afetivos e sociais’ giram em torno da interatividade do cérebro e das emoções. Eles devem ser diferenciados das neurociências cognitivas que observam os mecanismos cerebrais de percepção, habilidades motoras, memória etc. Os dois estão, no entanto, intimamente ligados”, endossa a professora.

 

Formação continuada x diversidade em sala de aula

A crescente diversidade nas salas de aula, marcada pela presença de alunos com diferentes necessidades especiais, como TDAH, transtornos de ansiedade e deficiências físicas, impõe novos desafios aos educadores. A fim de garantir uma educação de qualidade e inclusiva, torna-se imprescindível que as escolas invistam na formação contínua de seus professores.

Priscila Romero evidencia que as escolas precisam compreender que todos os alunos devem ser olhados como indivíduos, como entes em suas particularidades, como crianças e adolescentes que (ainda) estão formando sua identidade, seu caráter e sua personalidade. Essas crianças e adolescentes, como todos nós, possuem tanto necessidades quanto habilidades diversas. “As instituições precisam investir em seus profissionais. Devemos ressaltar que todos os membros da escola precisam conhecer a diversidade encontrada em seu corpo discente. Não devemos apenas capacitar professores, coordenadores, mas, sim, diretores, inspetores e funcionários em geral. Pois quando conhecemos o ‘diferente’ temos uma melhor compreensão de quem ele é e de como podemos nos relacionar”, esclarece a especialista em Orientação Educacional e Pedagógica, Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e Educação Especial com Ênfase em Autismo.

Priscila acrescenta que, além disso, os professores devem receber apoio emocional dentro da escola e que a educação emocional deve ocorrer para todos que são sujeitos do processo de ensino-aprendizagem. “Diversos mestres necessitam de auxílio em muitas situações, dentro de sala de aula com seus alunos, sejam elas esperadas ou não. Ter alguém da equipe que possa elaborar uma escuta amiga, agir positivamente e estimular o docente é de suma importância na rotina educacional.”, pontua.

De acordo com Sheyla, para aumentar o envolvimento dos alunos, é fundamental ser sensível e atento aos interesses, necessidades e paixões da turma. As instituições devem se intensificar em sua preparação para atender estudantes com diferentes transtornos, como TDAH, distúrbios de ansiedade e deficiências físicas, além do autismo. “Os alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem constituem um grupo muito diverso, portanto é necessário implementar várias intervenções, como a utilização de recursos audiovisuais, realizar ajustes no ambiente, diminuir a complexidade das tarefas, fornecer feedback positivo, explicar de forma clara, alterar as instruções e métodos de execução das atividades e minimizar a quantidade de textos escritos que precisam ser copiados”, adverte a professora.

 

Integração de alunos com transtornos emocionais e cognitivos na rotina escolar

Um dos muitos desafios enfrentados por nossos educadores centraliza-se na integração de alunos com transtornos emocionais e cognitivos na rotina escolar, e como o currículo pode ser adaptado para promover uma aprendizagem inclusiva. Sabemos que a inserção de alunos com necessidades especiais na rotina escolar é um desafio que exige uma abordagem multidisciplinar e personalizada. No Brasil, a diversidade cultural e social amplifica essa complexidade. Apesar dos obstáculos, a mudança é possível quando cada membro da comunidade escolar assume seu papel, contribuindo com ações concretas para adaptar o currículo e criar um ambiente inclusivo.

Para nossos especialistas a soma de pequenos esforços individuais pode gerar um impacto significativo na vida dos estudantes. Sheyla Baum elenca que os educadores precisam compreender os transtornos de aprendizagem e suas implicações no processo educativo. Segundo ela, essa formação pode ser incentivada dentro das próprias escolas, através da criação de grupos de estudo e do uso de bibliografia fundamentada na Ciência.

“A avaliação psicopedagógica, que visa identificar as facilidades e dificuldades dos alunos, é também uma ferramenta fundamental para elaborar intervenções adequadas. Os educadores enfrentam significativos obstáculos ao incluir alunos com distúrbios emocionais e cognitivos no ambiente escolar, especialmente pela desarmonia entre a escola, os pais e os professores. “A criação de uma rede de suporte para todos os participantes é essencial”, atesta Sheyla certificando que, para garantir uma educação inclusiva, precisamos entender que, na verdade, não são os estudantes que não aprendem. A escola é que, muitas vezes, não está habituada a lidar com a diferença e, assim, não oferece estratégias pedagógicas que favoreçam a criação de vínculos, as relações de troca e o acesso ao conhecimento.

Em sua avaliação, Priscila Romero menciona que o maior desafio seja a cobrança que são feitas a si mesmos, principalmente aos novatos. “Queremos fazer o melhor e sabemos que lidamos com vidas, não com objetos. Somos exemplos e parâmetros para muitos dos nossos alunos e devemos agir como tal.  A cobrança é inevitável. Muitos professores, que não se especializaram em Pedagogia e se formaram em um passado em que não havia estudos sobre inclusão e transtornos mentais no ambiente escolar, podem, hoje, sentir insegurança ao receber, em sala de aula, um público tão desigual”, constata.

Romero prossegue ao afirmar que é preciso lembrar que, no passado, mesmo não ocorrendo uma preparação, um estudo voltado para a (d)eficiência, muitos mestres já realizaram Inclusão Escolar, mesmo antes de haver uma política educacional voltada para pessoas com necessidades educacionais. Esses professores, sem possuírem diagnóstico de um discente, perceberam suas particularidades e agiram da melhor forma possível para acolhê-los e auxiliá-los ao aprendizado. “O currículo escolar deve proporcionar a ocorrência de aprendizagens dinâmicas, uso de recursos tecnológicos apropriados, auxiliares de turma ou mediadores quando turmas grandes ou de maior complexidade, adaptações necessárias aos materiais educativos e às avaliações, além de garantir a existência de um currículo mínimo e funcional natural.”, completa.

A partir de tudo que ouvimos e aprendemos, fica evidente que a construção de uma escola verdadeiramente inclusiva passa pela valorização da diversidade e pela promoção do bem-estar emocional de todos os estudantes. A educação emocional, nesse contexto, desempenha um papel fundamental, ao proporcionar ferramentas para que os alunos desenvolvam habilidades socioemocionais como empatia, autoconhecimento e resolução de conflitos. Ao integrar a educação emocional às práticas pedagógicas, as escolas podem criar ambientes mais acolhedores e equitativos, onde todos se sintam valorizados e pertencentes. É o que todos nós queremos, buscamos e trabalhamos juntos para que aconteça!


Por Antônia Figueiredo

Fontes: Priscila Romero – Especialista em Orientação Educacional e Pedagógica, Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e Educação Especial com Ênfase em Autismo. Autora dos livros “Aluno TDAH – a pedagogia e a realidade do transtorno” e “Aluno com deficiência intelectual – conceitos, perspectivas e orientações pedagógicas”.

Sheyla Baum – Professora de Educação Infantil e pós-graduada em Neuroaprendizagem e Psicomotricidade. Autora do livro “Livro da vida – pensar, sentir e se emocionar” e coautora de “O cérebro que se comunica – diálogo entre a neurociência e as diversas ciências”. Ambos pela Wak Editora.

Paty Fonte – Consultora educacional, especialista em Pedagogia de Projetos e Educação Infantil. Entre os livros publicados estão “Competências socioemocionais na escola” e “Práticas socioemocionais para dinamizar o ambiente escolar”, ambos pela WAK Editora.


Deixar comentário

Podemos ajudar?