Alunos experimentam poder libertador da poesia

Projeto revela talentos e estimula expressão afetiva


Durante a pandemia, a professora de teatro Cecília Araújo, que trabalha com turmas do Ensino Fundamental II da Escola Municipal Francisco Manoel, em Vila Isabel, começou a escrever poesias. Após uma depressão, seguindo orientação do terapeuta, criou a “Poemas com Arte,” página no Instagram com suas produções literárias.

Segundo a educadora, que trabalha na unidade há 20 anos, a principal demanda para criação do Projeto Poemar – Poema com pomar –, era mediação de leitura. Inovadora, a ação visava sensibilizar a comunidade escolar através da poesia, e essa história, que ultrapassou as salas de aula e dos professores, foi para o refeitório e para o pátio, já está na terceira edição. A educadora lembra que todos aderiram à proposta com muita receptividade desde as merendeiras à direção.

“Eu me sensibilizei a partir dessa página. Através da minha paixão, tentei estimular meus colegas, funcionários, todos focados nos alunos. Nessa caminhada acabei percebendo que muitas pessoas escrevem e mantêm guardados poéticos, mas têm vergonha de mostrar”, comenta a educadora.

Foi o caso da coordenadora pedagógica Andrea Neves, que descobriu seu talento através dessa oportunidade.  “Todos os poemas que escrevi tinham parte de mim, e isso só foi possível por conta do projeto, que me induziu a colocar minha criatividade pra fora e meus sentimentos em um papel como arte”.

A educadora começou com uma turma, em 2022, que ia de sala em sala com uma caixa cantando uma música e pedindo uma poesia escrita à mão ou impressa. Na hora do recreio os alunos também passavam com as caixas, iam ao refeitório falar com as merendeiras e até a sala dos professores. A seguir foi criado o grupo Comunidade Escolar, no WhatsApp, onde alunos e funcionários enviam as poesias e convidam para os eventos. A ideia era colher as poesias para produzir uma coletânea.

A ação foi tão inspiradora e transformadora, que já está integrada ao calendário escolar e ocorre bimestralmente. Em sala de aula, Cecília explora a escrita poética através de encontros literários onde são compartilhados e discutidos os poemas, se incentivando a livre expressão. Além disso, o projeto promove Serenatas Poéticas, que a docente batizou de Poemata, momentos em que os estudantes têm a oportunidade de declamar poemas e compartilhar com colegas, professores e funcionários.

Outra atividade marcante é a caminhada pela escola, onde os participantes espalham poesia pelas paredes e em todos os cantos, transformando o ambiente escolar em um verdadeiro espaço poético. Com cores vibrantes e mensagens literárias, os muros ganham vida e transmitem inspiração a todos que os contemplam. O impacto do trabalho vai além do enriquecimento cultural e linguístico dos estudantes. Através da poesia, os educadores incentivam a criatividade, a reflexão, a empatia e o respeito pelas diferentes formas de expressão. Professores de todas as disciplinas participam. É o caso da docente de Matemática Nara Lobato, que faz um trabalho diferenciado em sala de aula na área de exatas e escreveu a Poesia Matemática.

A professora Renata Elisa Carlos relata que Poemar é um evento aguardado todo ano na escola e um momento em que a comunidade expressa seus afetos.  “É uma chance incrível de todos se permitirem envolver por ser uma atmosfera de beleza e criatividade.  Me senti honrada em participar deste compartilhamento de emoções”.

Para a aluna Mariana Ferreira, da turma 1.901, que participou das três edições do Poemar, a experiência foi libertadora. “Foi a possibilidade de colocar minhas emoções, e sinto que me dá um alívio. Os poemas que escrevi tinham parte de mim, usei a minha criatividade e pus meus sentimentos num papel como arte”.

Já Thais Rakelly, da turma 1.902, acredita que a oportunidade ajudou a desenvolver habilidades. “O Poemar inspira as pessoas a escrever e ajuda muito na Língua Portuguesa. Além de fazer com que diversos sentimentos sejam expressos no papel e apresentados de uma forma bonita”.

Para a jovem Letícia Morais o projeto é uma forma de descobrir talentos e de expressão afetiva: “Muitas pessoas escreviam e tinham vergonha de se revelar. Adorei tudo o que foi mostrado, o Poemar desbloqueou em mim um amor muito grande pela poesia”.

No dia da culminância, que é um sarau, todas as turmas leem as poesias que foram criadas durante o bimestre. A professora de inglês Letícia Alencar auxilia na parte artística, cuida da ambientação e decora o cenário com as produções de arte e pintura dos poetas. Desde que o projeto foi criado, já foram lançados os livros Poemar 1, Poemar 2 e o Poemar 3. A direção, segundo Cecília, também tem sido parceira do projeto. A diretora Isabel Cardoso participa da atividade e paga as edições dos livros do próprio bolso.

“Produzimos as obras durante o cotidiano escolar, marco a data dos saraus e chamo pessoas de fora para abrilhantar o evento, entre outros professores, artistas e poetas conhecidos”, explica Cecília. Foi o caso da segunda culminância, que contou com a presença do professor de música Mauro Portugal, também músico e poeta, que tocou e cantou para a plateia.

A performer e atriz Liliane Balonecker também esteve nessa edição. Outra presença ilustre foi a de Augusto Pessoa, escritor e contador de história, que participou de diversos projetos importantes do Ministério da Cultura. E na terceira, a arte-educadora Renata Codagam, que realizou uma bela contação sobre a África. “É uma referência na questão da africanidade e contextualizou a história para as turmas da escola”, completa Cecília. O trabalho também teve a participação da Casa Amarela, um projeto dos bairros de Vila Isabel e Piedade, um centro cultural que atende à comunidade e distribui livros gratuitamente na culminância.

Segundo ela, através da poesia, o professor alcança o aluno de uma forma que talvez outra disciplina não consiga.  “Às vezes a poesia, pela sutileza, consegue transformar um lugar que até mesmo o teatro não consegue. Encontrei a produção poética como esse instrumento eficaz. Com ela superei minha dificuldade de expor meu rosto nas redes sociais. Publicar as poesias nesses lugares foi uma ação libertadora”, conclui Cecília, agora também uma poetisa oficialmente, já que ganhou o prêmio Conceição Evaristo de Literatura da Mulher Negra.

A colega de trabalho Letícia Alencar fala sobre a sua alegria de participar. “Há 3 anos, fui convidada pela parceira Cecília para colaborar no projeto. Ela fica com a parte da preparação dos alunos ao longo dos meses que antecedem a apresentação e eu com a produção no dia do evento. O trabalho é lindo porque incentiva toda a comunidade escolar a escrever e a expressar seus sentimentos. O Poemar já pertence ao calendário da escola e todos já perguntam pela próxima edição”, conclui a professora.


Por Claúdia Sanches

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