Educação inclusiva na escola e autonomia a cada página

Professora transforma vivência de sala de aula com alunos com deficiência em um livro de atividades práticas


Trabalhar em uma classe de crianças com deficiência a partir de suas habilidades e potenciais, e não das suas limitações. Essa tem sido a abordagem da professora Paula Guimarães, do Instituto Helena Antipoff, especializado em educação inclusiva, pertencente à Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Com formação em Letras e Artes Visuais, ela atuou pela primeira vez em classes inclusivas há dez anos no município do Rio, onde teve a primeira experiência de inclusão com alunos na rede regular de ensino. Ela percebeu que as artes e a poesia colaboravam para o processo de ensino-aprendizagem dos alunos com deficiência no desenvolvimento de sua autonomia e criatividade.

“Meu interesse pelo trabalho começou lecionando para estudantes com deficiência numa escola dita ‘normal’ e precisei aprender a lidar com o diferente. Percebi que a primeira questão era tirar a criança do isolamento, uma vez que geralmente ela já  é bem solitária em casa. Tive que começar a me capacitar e fiz uma pós-graduação em Educação Especial Inclusiva”.

Em 2018 escreveu seu primeiro livro, “Meu amigo especial”, pela editora Litteris, falando sobre essa vivência em sala de aula. Por conta do currículo e vocação, a educadora foi chamada pela rede municipal para atuar em uma escola que só atende alunos com múltiplas deficiências, a Escola Especial Municipal Doutor Hélio Pellegrino, em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio.

 

Um novo olhar sobre a educação inclusiva

Na opinião de Paula, para trabalhar inclusão, o professor precisa ter um enfoque positivo sobre as diferenças. “As atividades devem ser realizadas a partir do interesse do aluno. As experiências oferecidas cotidianamente sobre escrita e leitura são otimizadas quando as crianças manuseiam diferentes tipos de materiais”, acredita.

Em sala de aula Paula já utilizou várias técnicas artísticas e temáticas, como foi o trabalho sensorial com “Pintura de Estampa Pop Art”. Entre as produções, está em destaque o jogo americano sensorial, feito a partir de cascas de ovos, plástico-bolha e tinta sobre cores e sentidos, que enfeitaram o refeitório da escola. Para trabalhar as percepções sensoriais, utilizou pigmentos naturais que estimulam também o olfato, como urucum, beterraba, açafrão e café, entre outras matérias orgânicas. A tarefa fez parte de um plano de ação da prefeitura que pediu à escola pra fazer um projeto com o objetivo de motivar os alunos a se alimentarem melhor. “Pensamos em algo funcional e agradável para as crianças se alimentarem. Tivemos a ideia do jogo americano”, explica Paula. Outra atividade interessante foi a oficina de artes de pintura com luz e sombra, percebendo a iluminação nas árvores. Fizeram colagem com flores e camomila, percebendo o cheiro nas plantas, e pintura com linhas fechadas e abertas, nas formas nas árvores.

“Eles têm a experiência a partir do concreto, e as turmas fazem muitas experimentações com recursos diferentes. Muito construtivo um professor trabalhar a partir da potencialidade do aluno. Se ele gosta de música, trabalho através de atividades com sons e canções. Se gosta de pintura e desenho, ofereço tarefas para sentirem e tocarem”.

Paula garante que é gratificante ver alunos e alunas nas aulas de artes, através da inclusão, demonstrarem a alegria da sua produção artística com reflexão e criatividade, a confiança em si mesmo, sendo valorizadas as suas potencialidades pelo professor e por toda a escola. E com autonomia mostrar um caminho da sua aprendizagem para o seu fazer artístico.

Foi o caso do aluno Daniel, que durante as aulas de artes demonstrou interesse e potencialidades para a construção da sua aprendizagem, através da pintura, apresentando criatividade e concentração em seu fazer artístico. A mãe relatou que ele passou a desenhar com alegria em toda a parede da casa e disse “que iria pegar a tia Paula”. “Ele se aproximou muito de mim”, relata, feliz que o filho apresentou um talento que ela não conhecia.

Já a aluna Eduarda sempre gostou de fazer as atividades de artes com a professora. Assim foi construindo a sua aprendizagem demonstrando reflexão e a valorização da sua própria identidade em seu meio. Ela passou a construir e a fazer pinturas com tons que representassem a cor da sua pele em seu meio cultural.

A produção artística foi tão vasta e elaborada que ultrapassou os muros da Escola Especial Municipal Doutor Hélio Pellegrino. O trabalho exposto foi inspirado na Arte Naif, com referência da artista negra Maria Auxiliadora da Silva e teve como temática a capoeira e seus instrumentos musicais, desenho corporal e contorno dos objetos. A mostra Multilinguagens – Lentes do Olhar, Identidade e Cultura foi realizada no Palacete Princesa Isabel.  Interdisciplinar, o trabalho contou com a parceria do professor de Educação Física Leandro Correa, que desenvolveu a questão do corpo com a capoeira.

 

 “Cartas para o céu”

Em 2023 Paula publicou o segundo livro “Cartas para o céu”, pela editora Ases da Literatura, com desenvolvimento e texto adaptado às pessoas de baixa visão. A docente destaca que a temática da obra é a esperança. “Apesar de ser literatura infantil os adultos adoram. A mensagem mais importante é o sentido da esperança para pessoas de todas as idades. Os professores compraram o livro para trabalhar a questão das guerras, violência urbana, além da pandemia. É uma obra que aborda não só a inclusão e o respeito às diferenças, mas que leva a mensagem de valorização das relações humanas dentro do contexto atual”.

Segundo Paula, o livro não tem sido procurado somente por mães de crianças com deficiência, mas também por psicólogos e outros profissionais de várias áreas e partes do país e do mundo.  Foi o caso da psicóloga Telka Baiocchi. “Uma ótima notícia para te contar! Usei seu livro com um cliente meu de onze anos que está tendo dificuldade de aceitar um colega autista na escola. Ele adorou a historinha, que ajudou muito na terapia”.

Em 2019, Paula foi convidada pela embaixada brasileira em Roma, na Itália, para apresentar seu livro e fazer palestras sobre educação inclusiva. Uma parceria com a POLH-Itália, num evento voltado para a valorização do português como Língua de Herança. Fez uma turnê literária com seu primeiro livro em Padova, Verona e Nápoles. Através do curso de Língua Portuguesa e Cultura Brasileira, participou de contação de histórias e atividades inclusivas naquele país. Também esteve em uma turnê em Londres através da rede POLH UK –– Português como Língua de Herança.

“Fiquei tão feliz porque meu conteúdo foi reconhecido fora do país”, diz a autora, que já participou da Flip de Paraty e estará na Bienal do Rio 2025, além de estar finalizando um caderno em PDF de atividades inclusivas para colaborar com professor em sala de aula, que será oferecido como brinde na compra do livro.

Com uma trajetória inspiradora, a educadora defende que toda a sociedade precisa refletir sobre a inclusão para garantir os direitos de aprendizagem. É a responsabilidade e compromisso do professor com os alunos.  “Todos nós temos ou teremos nossas limitações. A educação não acontece somente a partir de um laudo da deficiência, mas do interesse e potencialidade da criança”.


Por Claudia Sanches

Instituto Helena Antipoff
Rua Mata Machado, 15 – Tijuca – Rio de Janeiro/RJ
CEP: 20271-260
Tel.: (21) 32344-2273
E-mail: smeiha@rioeduca.net


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