Um ensino a distância eficiente

Entenda as propostas que vão consolidar a importância da EAD no cenário educacional


A educação a distância (EAD) tem se mostrado uma solução essencial para a continuidade do ensino em tempos de adversidade. Contudo, a sua implementação enfrenta uma série de desafios que vão desde a infraestrutura tecnológica até a adaptação pedagógica. Nesta edição, a Revista Appai Educar conta com a presença de dois especialistas, Wolmer Ricardo Tavares – Mestre em Educação e Sociedade, e André Codea – Mestre em Ciência da Motricidade Humana, que juntos compartilham suas percepções e experiências sobre os principais obstáculos e estratégias eficazes no ensino remoto. Vamos explorar, com profundidade, as nuances da EAD, abordando soluções inovadoras que podem transformar a maneira como educamos e aprendemos a distância.

 

Flexibilidade e acessibilidade

Entre os muitos pontos altamente positivos ligados à EAD, destacam-se a flexibilidade e a acessibilidade proporcionadas tanto aos alunos como aos professores. É o que explica Wolmer Ricardo Tavares ao ressaltar a autonomia intelectual como um dos benefícios oferecidos pela EAD, convergindo com os ideais de Paulo Freire quanto a uma melhor intervenção no mundo. “Esta autonomia é trabalhada tanto pelo docente quanto pelo discente. Dessa forma, desenvolve-se o protagonismo cognoscente, o senso de liberdade/igualdade/fraternidade e o respeito à diversidade”, pontua.

O professor de EAD em graduação André Codea também concorda que a flexibilidade é um dos pilares desta modalidade. Ele destaca que, em conteúdos remotos, os alunos podem assistir às aulas posteriormente, conforme sua conveniência, permitindo planos de estudo personalizados, além de facilitar a aprendizagem contínua e eficaz, adaptada ao ritmo de cada um. Sobre a acessibilidade, Codea observa melhorias nas conexões de internet e no aumento de dispositivos móveis no país. “Outrossim, a EAD supre a falta de cursos presenciais em regiões remotas. Tudo isso propicia a possibilidade, não apenas de uma aquisição contínua, que contemple o trabalho, o próprio ensino e outras responsabilidades, mas também a oportunidade do contato com diferentes ritmos de aprendizagem, o que a torna mais eficaz”, atesta.

 

Motivação, engajamento e interação presencial

Quando o tema é motivação e engajamento, Wolmer destaca que uma das estratégias mais eficazes para manter os alunos mais presentes em um ambiente de aprendizado on-line gira em tono de um mix de prerrogativas. “Precisamos levar conteúdo interativo, comunicação efetiva e compreensiva, design institucional com boa usabilidade, aprendizado colaborativo, metodologias ativas, novas formas de avaliações, bem como apoio quanto à gestão do tempo em relação às atividades dos discentes”, enfatiza o mestre.

Em seu contraponto Codea menciona que a maioria das pessoas ainda prefere o ensino presencial e espera que o professor no EAD reproduza as mesmas dinâmicas. Mas segundo ele, no entanto, trata-se de uma modalidade que exige autodisciplina e responsabilidade da parte do estudante. “Como alguém que cursa pós-graduação EAD e é professor de graduação, ressalto a importância do relacionamento entre docente e aluno, feedback construtivo e suporte personalizado. A qualidade e consistência dos materiais são cruciais para manter a motivação e evitar a evasão. Metas claras, cronogramas de estudo, uma plataforma intuitiva e recompensas digitais ajudam a engajar positivamente”, esclarece.

Mesmo com todos os benefícios proporcionados pelo EAD, a falta de interação presencial ainda é uma questão que pode impactar negativamente a experiência de aprendizado dos alunos, especialmente para aqueles que necessitam de interação social, diz Codea, citando alguns meios e métodos que contribuem para diminuir esse efeito.  “Para minimizar esses impactos, o uso de fóruns e redes sociais pode ajudar a suprir essa necessidade. Professores podem incentivar a interação utilizando regularmente ferramentas de relacionamento, como murais de avisos, e mantendo contato constante com os alunos. Estimular uma dinâmica interativa pode fazer a diferença e testar soluções específicas para cada contexto é essencial para reduzir esses impactos no ensino-aprendizagem”.

Já dizia John Donne, no século XVI: “Nenhum homem é uma ilha” e, na concepção de Wolmer, isso diz respeito à necessidade que temos de viver e conviver, habitar e coabitar. “Precisamos um do outro para sermos quem somos. Precisamos fazer como dizia José Saramago ao elucidar que é preciso sair da ilha para ver a ilha, e isso implica dizer que a interação é essencial para nosso crescimento integral, criando até mesmo laços e reforçando elos de amizade, além de permitir o desenvolvimento de uma network. Temos que sair do nosso eu para nos enxergarmos nos outros porque somos e fazermos parte de tudo que nos cerca”, elucida Wolmer Ricardo ao se posicionar acerca do tema.

 

Desigualdade de acesso à tecnologia

Se não é o tema mais recorrente nas mesas de debate das comunidades escolares, certamente ainda é uma lacuna a ser preenchida no campo da inclusão. Estamos falando dos desafios relacionados à desigualdade nas possibilidades de uso quanto à tecnologia e internet. Para Wolmer, as limitações físicas de acesso a computadores (notebooks e desktops), celulares, roteadores, conexões e até falta de conhecimento por parte dos usuários sobre os aplicativos e/ou plataformas de aprendizagens são entraves que precisam ser solucionados. “Uma forma de garantir a inclusão digital de todos os alunos é oferecer recursos que facilitem o uso das plataformas, garantindo uma navegação intuitiva. As instituições poderiam oferecer monitoria presencial e/ou remota para orientar a utilização adequada dos aplicativos e plataformas. Além disso, os governos federal, estadual e municipal poderiam disponibilizar recursos para assegurar o direito à educação, mesmo nos locais mais afastados dos grandes centros”, sugere.

Na visão de Codea, embora haja avanços na internet em áreas urbanas, zonas rurais e periféricas ainda enfrentam grandes desafios. Para ele, a desigualdade social na Educação a Distância é evidente, com estudantes de baixa renda lutando para acessar dispositivos de qualidade e internet adequada. “Assistir a aulas apenas por smartphones limita a experiência de estudo. Segundo a pesquisa TIC Domicílios 2022, 62% dos brasileiros usam apenas esse tipo de dispositivo para acessar a grande rede”, afirma.

Ainda segundo André Codea, para superar esses obstáculos e garantir a inclusão digital, são necessárias políticas abrangentes de acessibilidade. Subsídios governamentais para compra de computadores e acesso à rede a preços acessíveis são fundamentais, assim como programas de capacitação digital. “Parcerias público-privadas podem expandir a infraestrutura de internet em áreas remotas. Países como Quênia e Índia têm iniciativas que podem servir de modelo. Recursos educacionais digitais acessíveis e suporte técnico contínuo são cruciais para criar um ambiente de aprendizagem inclusivo e eficaz. Essas ações aparecem como essenciais para reduzir o abismo digital e melhorar a qualidade da EAD”, conclui.

 

Capacitação contínua dos professores

De acordo com nossos especialistas, a capacitação de professores já é um desafio constante no ensino presencial, e na modalidade a distância não é diferente. Eles afirmam que a atualização contínua dos educadores é crucial para o uso eficaz de diferentes metodologias e técnicas de ensino na EAD.

“Inicialmente é fundamental que os professores conheçam todas as funcionalidades da plataforma utilizada, evitando limitar-se ao básico”, ilustra Codea, acrescentando que “é importante evitar a transposição direta de métodos presenciais para o ambiente virtual. Gravações e aulas remotas devem ser empolgantes e atrativas para manter a atenção dos alunos, criando uma experiência de aprendizagem mais rica”, destaca falando de sua prática. “Em minha experiência como estudante, vejo a necessidade de maior foco na formação dos docentes para desenvolver habilidades de interação em vídeo. Professores podem aprender com o sucesso de youtubers e tiktokers, aplicando técnicas como o microlearning, que oferece conteúdos curtos e atrativos, em vez de longas explanações. Essas estratégias podem melhorar significativamente o engajamento e a eficácia do ensino na EAD”.

Para Wolmer, a capacitação contínua é uma necessidade inerente a qualquer profissional e em qualquer área, todavia ela é imprescindível na docência já que cabe ao professor não apenas ministrar aulas, mas buscar formas de encantar o seu corpo discente, formá-lo e capacitá-lo para o mercado de trabalho e para a vida. “Cabe pontuar que a capacitação contínua é uma forma de estimular a busca e o aprofundamento de conhecimentos, bem como a ampliação de habilidades, permitindo em concomitância que os professores busquem melhores práticas de ensino, bem como abordagens e conteúdos revisados e atualizados em suas áreas de atuação, fazendo assim com que a educação prime pela qualidade”, assegura o Mestre.

 

Política de avaliação

É sabido que o sistema de avaliação é um dos caminhos norteadores para que gestores e professores conduzam suas propostas e as ajustem no decorrer da execução de acordo com o resultado extraídos das avaliações. Mas muito se pergunta quais métodos de avaliação são mais adequados para a EAD e como eles podem garantir a integridade acadêmica, dentro dos resultados atuais. Na opinião do professor Wolmer, a modalidade a distância se diferencia quanto ao seu critério de avaliação. Sendo assim, cabe às instituições garantir que a aprendizagem seja realmente efetivada, de forma que elas não podem ficar engessadas nas avaliações dissertativas. “Tanto os professores quanto os coordenadores dos cursos poderão fazer uso de questões objetivas com retornos explicativos, quizes, salas de aulas invertidas, debates em fóruns e seminários, portfólios, autoavaliação, rubricas, além de tarefas on-line e atividades que simulem situações cotidianas e autoavaliações ou avaliações por competência. Claro que todos estes métodos devem estar alinhados com a dedicação do discente no curso, tempo de acesso ao material e aos recursos disponíveis”. Ainda segundo ele, outra maneira interessante de se avaliar o aluno no método de EAD é por meio de entrevistas on-line com perguntas aleatórias observando a capacidade de discernimento do estudante em relação ao conteúdo questionado.

Em seu parecer, André Codea ressalta que na EAD métodos de avaliação devem, sobretudo, garantir a integridade acadêmica. “Avaliações on-line monitoradas e projetos colaborativos podem ser eficazes, mas plágio e o uso de IA são preocupações. Ferramentas antiplágio e revisão por pares ajudam, mas não eliminam completamente os problemas. A variação de metodologias e monitoramento ativo são essenciais para melhorar a integridade das avaliações”, cobra o professor.

 

Suporte adicional para alunos

A necessidade de algum tipo de suporte adicional é notória no dia a dia da sala de aula, não apenas para uma melhor adaptação ao ambiente on-line, mas também para abrir caminho para uma efetiva diminuição na evasão. “Alunos precisam de orientações teóricas e práticas sobre o uso das plataformas e estratégias de estudo na EAD”, diz André Codea reiterando a necessidade de outras ferramentas e canais que vão desde workshops iniciais até disciplinas optativas que podem ajudar na adaptação. “Além, é claro, de sessões regulares de aconselhamento acadêmico e emocional, importantes para gestão do tempo, organização de materiais e preparação para avaliações. Ou seja, o suporte contínuo é essencial para reduzir taxas de evasão”, frisa.

Segundo Wolmer, seria um bom diferencial as instituições oferecerem este suporte adicional, também citado por seu colega, uma vez que, segundo ele, muitos estudantes que entram na modalidade de EAD se perdem por não saberem lidar com o tempo, devido a sua flexibilidade. “Essa característica pode ser boa para determinado aluno, mas para outros pode ser complexo por não conseguirem criar uma rotina. Dessa forma, o suporte de um profissional capacitado auxiliaria na efetividade do processo ensino-aprendizagem bem como na sua assimilação. Garantindo este apoio como aconselhamento acadêmico, acredita-se que a evasão no ensino a distância seria menor, proporcionando assim uma redução nas diferenças sociais, além de uma sociedade mais justa e crítica”, complementa Wolmer, citando também a importância de se ter opções de tecnologias e ferramentas digitais que sejam eficazes para promover um aprendizado interativo e colaborativo na EAD.

“Obviamente temos diversas opções que promovem o aprendizado interativo, como aplicativos de realidade virtual e gamificação, G-Suite, Google Sala de Aula, técnica de Quiz, plataforma Moodle, dentre outras, todavia não existe “o melhor”. Todos atendem a certas demandas e especificidades, cabendo às instituições observar o perfil de seus discentes e oferecer o que atenderá as suas perspectivas”, justifica.

Codea adverte que são muitas as tecnologias e ferramentas digitais disponíveis e, de acordo com a sua experiência, podemos dividi-las em várias categorias, que serão ou não usadas conforme o contexto e as possibilidades. “No que diz respeito às plataformas de aprendizagem, Moodle, Canvas e Blackboard são as principais. Ferramentas de videoconferência como Zoom, Google Meet, Jitsi e Microsoft Teams são amplamente utilizadas. Para colaboração em tempo real, Google Docs, Miro, Padlet e Microsoft 365 são eficazes. Ferramentas de avaliação e feedback como Quizlet e Kahoot, além de redes sociais como Facebook Groups, Reddit, WhatsApp e Telegram, são populares. Na realidade virtual e aumentada, AltspaceVR e Google Expeditions são opções avançadas”, opina.

 

Futuro da Educação a Distância

O que o mundo não pode negar é que a EAD está em constante evolução, com avanços em TICs, IA, big data e realidade aumentada, entre outros, mesmo carecendo de vários ajustes de aproveitamento, desenvolvimento e aplicabilidade. Contudo, a contribuição dessas tecnologias tem tornado o aprendizado mais personalizado e interativo. A EAD não somente facilita o acesso à educação para trabalhadores e pessoas em áreas remotas, oferecendo cursos mais baratos. Ela traz oportunidade na desigualdade em que vivemos imersos. No entanto, o preconceito do mercado em relação a diplomas EAD ainda é um desafio. O que se espera é que, com o passar do tempo e a crescente qualidade formativa dos cursos, professores, metodologias e sistemas, o sucesso dos profissionais formados pela EAD ajude a superar essa desconfiança, consolidando sua importância no cenário educacional.


Por Antônia Figueiredo

Wolmer Ricardo Tavares é Mestre em Educação e Sociedade. Entre os livros lançados está “Gestão Pedagógica – gerindo escolas para cidadania crítica”.
André Codea é Mestre em Ciência da Motricidade Humana pela Universidade Castelo Branco, Pós-graduado em Anatomia Humana e Biomecânica pela Universidade Castelo Branco, Pós-graduado em Gestão Escolar pela UFF e Profissional de Educação Física (Licenciatura Plena em Educação Física pela UFRJ).


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