A importância da ludicidade e da tecnologia na educação infantil
Por Luciana Cordeiro Felipetto*
A ludicidade é fundamental para o processo de desenvolvimento e aprendizagem de crianças, e não apenas delas, mas de todos nós e em qualquer contexto, seja ele clínico, familiar ou escolar. Não entendo o porquê do conceito de ludicidade descaracterizar a seriedade das estratégias nos processos de aprendizagem, principalmente quando avançamos nas séries e nos segmentos da educação.
Não é raro que profissionais da equipe multidisciplinar, dentre eles os psicopedagogos, que utilizam muitos jogos em suas intervenções, sejam questionados sobre o emprego de brincadeiras em suas sessões. Mas ele vai lá só para brincar? Quantas vezes ouvimos tal argumento de pais e familiares de pacientes em comum. O brincar é uma poderosa forma de atingir o desenvolvimento biopsicossocial de uma criança. Em que momento se perdeu o encantamento tão necessário ao aprendizado e ao engajamento dos alunos? Por que associar conteudismo ao padrão necessário para que metas sejam atingidas e para uma aprendizagem real?
Partindo dos preceitos da Neurociência e de tudo o que estamos vendo como necessário à aprendizagem, conclui-se que a ludicidade é a ponte entre o ser, o saber e o aprender. O lúdico traz encantamento, curiosidade, engajamento, motivação, enfim inunda nosso cérebro de neurotransmissores tão importantes para a aquisição de novas aprendizagens e conceitos. Novas conexões neurais são formadas a partir deste brincar supervisionado e voltado para a experimentação e vivências corporais.
O aprendizado através de jogos de tabuleiro, contação de histórias, brincadeiras de roda, brincadeiras genuínas que são feitas na infância, como: pular corda, queimada, rouba bandeira, andar de patins, bicicleta, são essenciais para o desenvolvimento psicomotor e com ele para o desenvolvimento da linguagem, das habilidades socioemocionais e tantas outras sobre as quais é preciso reafirmar a importância.
Na psicopedagogia não é diferente. Muitos conceitos são aprendidos a partir de jogos de tabuleiro e brincadeiras. Através deles é possível, inclusive, avaliar as crianças e se estão com prontidão de habilidades esperadas para a faixa etária e escolaridade. Não é de agora que estudiosos e teóricos como Vygotsky, Piaget, Friedrich, Froebel, Montessori abordam esta temática em suas obras e publicações e trazem à tona esta importante discussão sobre a colaboração da ludicidade no aprendizado da infância.
A própria Base Nacional Comum Curricular ou BNCC afirma que o ato de brincar durante a infância promove a interação da criança com o seu cotidiano, proporcionando aprendizagens e potenciais para o seu desenvolvimento e que, quando brinca diariamente, a criança amplia e diversifica seu acesso à cultura e conhecimentos.
As neurociências também atestam esta importância, e os pesquisadores vêm desenvolvendo trabalhos neste campo, demonstrando sua preocupação em trazer a ludicidade de volta às nossas práticas pedagógicas, principalmente para ser fator de engajamento nesta geração digital, que não explora mais o corpo e toda sua capacidade sensorial, pois estão presos às telas. O brincar gera nas pessoas vários tipos de sentimentos. Pessoas agressivas podem se sentir menos agressivas graças à liberação de neurotransmissores quando brincam. Mas estes sentimentos também podem ser exacerbados neste contexto, permitindo que se aflorem tendências como a competição.
Brincadeiras são boas opções de estratégias para se trabalhar a vez do outro, o ganhar e o perder, o controle das emoções e as regras sociais. A ludicidade e o brincar também são formas de assegurar situações em que as crianças possam expressar o que sentem. No consultório e na escola podemos verificar a condição emocional de uma criança e suas expressões e sentimentos (tristeza, alegria, medo, raiva…) só de ver a forma como ela desenha e brinca. Sobre a tecnologia, pode ser excelente aliada ao processo de aprendizagem, desde que tenhamos parcimônia em sua utilização.
A tecnologia possibilita engajamento dos alunos e desenvolve a curiosidade. A partir dela, os estudantes desenvolvem motivação e por aí vai se desenrolar todo um caminho de aprendizagem de conceitos e conteúdos. A tecnologia torna o processo concreto, mas tudo dentro dos limites preconizados pelas associações que tornam a exposição ao tempo de telas algo aceitável de acordo com cada faixa etária.
Excluir os alunos do processo tecnológico, em plena era de avanços nesse campo, não é uma condição interessante. Sempre é possível ter a medida certa para que as tecnologias auxiliem no desenvolvimento.
Fui idealizadora e coordenadora do Projeto de Robótica e Inclusão, realizado em 2018, em parceria com um engenheiro elétrico, e tinha como objetivo constatar se a tecnologia era mais uma ferramenta com poder de engajar e incluir a todos. Em nossas turmas de até 6 alunos, trabalhavam juntas crianças sem queixas escolares ou de aprendizagem e crianças com dificuldades e com deficiências de variados tipos. Portadores de TDAH, autistas, altas habilidades e superdotação, Transtorno Opositor desafiador (TOD), enfim, uma neurodiversidade. Elas desenvolveram em grupos pequenos projetos, onde todos colaboraram e tinham a missão de resolver um problema proposto pelo professor.
Foi interessante demonstrar que a tecnologia é capaz de incentivar e incluir a todos, pois eles estavam motivados e no mesmo processo de descoberta e aprendizagem. Nenhum deles sabia a linguagem de programação e aprenderam juntos. E tinham que avançar juntos como um time. Foi um belo projeto que durou aproximadamente 1 ano e meio. Assim, foi possível comprovar que, desde que bem utilizada, a tecnologia torna o processo mais colaborativo e motivador.
*Luciana Cordeiro Felipetto é fonoaudióloga clínica e educacional e trabalha com crianças das mais variadas dificuldades e transtornos de aprendizagem. É mestre em Ciências da Educação, especialista em Psicopedagogia, palestrante nacional e internacional. Autora do livro “A descoberta do mundo das letras” e coautora da obra “Contribuições da neurociência para uma educação integradora”, ambos pela Wak Editora. Autora também de “O girassol azul”, que fala sobre autismo, pelo selo Casa Kids.