Trançando histórias
Projeto pedagógico premiado pela transformação e inspiração
A professora Cleide Magesk, do Colégio Intercultural Brasil-China (Ciep 097 – Carlos Chagas), em Duque de Caxias, percebeu que muitas meninas gostavam de usar tranças africanas, como ela. Assim surgiu a ideia do Trançando histórias – um projeto necessário, desenvolvido com a turma do primeiro ano do Ensino Médio. A professora propôs ampliar o conhecimento sobre a origem dessa prática milenar. Um dos principais objetivos era o resgate da identidade negra e a memória ancestral.
Segundo Cleide, os alunos reescreveram a história das tranças desde sua origem, na África. Trançar era identidade e comunicação. E agora sinal de afirmação. “Essa narrativa foi trançada pelas mãos de muita gente. Mulheres ancestrais e seus descendentes. Tenho muito orgulho do trabalho com esses jovens. Se os alunos não tivessem comprado a ideia, nada aconteceria. Quando eu falei com eles que nosso tema não estava nos livros didáticos, eles abraçaram o desafio. O trabalho rendeu produções audiovisuais que levantaram a autoestima da garotada”, lembrou a educadora,
A turma estava engajada, esse era o cenário. Cleide conta que a primeira ação foi uma pesquisa documental na internet. Eles descobriram a sua origem na África, onde as tranças eram usadas como mapas, prática que os escravizados no Brasil também mantinham. Também eram utilizadas para identidade das vária etnias. Em cada país africano há diferentes tipos de trançados, com diversas funções. Muitos usavam os turbantes para transportar grãos, por exemplo. Além disso, leram sobre a questão da sensualidade das tramas.
Depois dos aprendizados era hora de escutar nas rodas de conversa os diferentes jeitos de trançar. Os alunos ainda entrevistaram as mulheres trancistas do entorno da escola, que ganham hoje a vida com essa arte. Outra etapa interessante foi a oficina de bonecas africanas. Os alunos também tiveram aula sobre a arte das tramas durante os seis meses de trabalho com a trancista Débora Ramos. Toda rotina do projeto foi gravada e apresentada durante a culminância, que gerou um documentário sobre o dia a dia. Gravaram podcasts, que estão no Spotify, o que gerou muita alegria e aumentou a autoestima dos alunos.
Culminância
Na apresentação do projeto, que envolveu a comunidade, os alunos fizeram uma oficina de bonecas para os visitantes, apresentaram o podcast e reproduziram um documentário com todo o registro do dia a dia do trabalho. A educadora acrescenta que trabalharam bastante o empreendedorismo através da venda de bonecas durante o evento. A oficina de turbantes também foi para o podcast, disponibilizado em versão de QR Code durante a apresentação. Os jovens fizeram um desfile de tranças e turbantes que foi um sucesso.
O escritor e ilustrador Claudio Luis (Cau Luis) foi convidado para o encontro e falou sobre ancestralidade, afrofuturismo e sobre o livro “Favela em mim”. Para fechar o trabalho, houve uma roda de samba com professores de arte e música. Outro dado destacado pela professora foi que o projeto fez com que os alunos ficassem na escola, que é em tempo integral. “Eles já chegavam perguntando: hoje é dia de projeto? Eles se veem representados no trabalho que acabou fugindo das minhas mãos!”, comemora.
Cleide se emociona ao falar da consciência e identidade negra que cada jovem aprendeu a valorizar. Ela acredita que a escola precisa integrar a negritude, fazer um trabalho que valorize as origens do aluno. E constatou as mudanças de postura dos jovens, como foi o caso de Pedro Alexandre. “Com o Trançando histórias, comecei a ter um entendimento maior sobre o racismo e aprendi mais sobre a cultura afro-brasileira como, por exemplo, usar tranças. Eu gostei muito de ter feito parte deste projeto pois nós realizamos várias atividades e umas delas foi fazer bonecas com jornais. Eu amei ter ajudado em todas as partes deste projeto”, comentou o aluno. Já o jovem Eduardo Vicente aprendeu a valorizar essa arte que está presente em sua própria família. “Esse projeto marcou o meu Ensino Médio e também a minha vida! Me vi representando a minha mãe, que sempre amou usar tranças e já trabalhou com isso. Eu sei bem como o processo desse trabalho é bem mais que estética”.
Cleide concluiu o propósito de ir além dos muros da escola para que eles se vissem representados. “Os jovens ficaram muito felizes: ‘Nosso projeto numa plataforma, como assim?’. O propósito era avançar os muros da escola e olha só o que aconteceu! Eles ficaram emocionados demais já que eram o centro do processo. E eu, como mulher preta, que gosta de usar tranças, agradeço. Depois saiu para as salas das premiações e para a mídia. Assim, o trabalho se multiplica”, enfatiza.
A diretora-geral do Ciep, Nilce Bertolino, relatou que o crescimento dos alunos foi notório e que o projeto trouxe grandes reflexões e a necessidade de revisar o currículo escolar. “A troca e o fomento de ideais são o combustível que nos move. Aprendi muito com a proposta de uma educação antirracista e a compreensão dessa representatividade tão necessária. A professora Cleide, juntamente com os jovens, trouxe o desafio que a equipe pedagógica decidiu abraçar”.
O orientador educacional Felipe Lins destacou que o Trançando Histórias marcou o município de Duque de Caxias e gerou impacto real na vida das pessoas. “Este projeto teve uma relevância na nossa comunidade escolar. Além disso, não encontramos nas literaturas tamanha informação e riqueza como a que foi gerada pela nossa professora e pelos alunos”.
Além dos saberes, o projeto também trouxe visibilidade e afirmação para a comunidade escolar através das três premiações conquistadas, entre elas a indicação de melhor prática antirracista no Estado do Rio, na categoria Ensino Médio em 2022; o Prêmio Cesar Marques – práticas antirracistas no território da Baixada Fluminense 2023 e em nível nacional; e o Professor Porvir – Como Educação Antirracista, em 2023.
Conheça mais sobre o projeto:
Assista ao documentário do projeto Trançando histórias
https://drive.google.com/file/d/1he-PAmsqVxqoKp7V4–pnFk0sC7DtMs5/view
Conheça as narrativas no Spotify
https://open.spotify.com/show/6PD58cGHGNDlUxHvj7fQjm?go=1&sp_cid=0341737026499ed61329d72531b31ca5&utm_source=embed_player_p&utm_medium=desktop&nd=1Ciep
Por Claudia Sanches
Colégio Intercultural Brasil-China (Ciep 097 – Carlos Chagas)
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