Professor ganha o maior prêmio da Educação brasileira
Projeto de matemática eleva as colunas do conhecimento entre a comunidade escolar
O ano de 2020 talvez seja marcado como um dos mais atípicos para o mundo. Não somente pela chegada do coronavírus, mas, sobretudo, pela forma como as pessoas tiveram que se reinventar. Na educação, o professor de matemática Luiz Felipe, 48 anos, associado da Appai há mais de duas décadas, mostrou ao mundo como isso é possível.
Professor de uma das disciplinas mais temidas pelos estudantes, Luiz Felipe não só inovou, como mostrou que é possível ser criativo, mesmo quando tudo parece não cooperar.
De uma maneira surpreendente, o matemático idealizou o projeto Geometria & Construção por meio do desenvolvimento de plantas baixas e construções de casas. Isso mesmo, é a arquitetura matemática levantando colunas de conhecimento entre os educandos da educação pública.
Um papel na mão e uma ideia na cabeça
Lecionando atualmente na Escola Municipal Francis Hime, em Jacarepaguá, Zona Norte do Rio de Janeiro, Luiz sempre teve a inquietude de quem ama compartilhar saberes. A forma como o projeto nasceu mostra esse desejo do professor de compartir conhecimentos da sua grande paixão, que é a matemática.
De acordo com o docente, passando próximo a uma construção nas redondezas do bairro em que leciona, recebeu um panfleto de divulgação de um conjunto habitacional que estava sendo erguido. E toda aquela movimentação o levou a ter a grande ideia, que o colocou no topo, já que acabou sendo escolhido como o Educador do Ano.
A história começa assim….
Panfleto na mão e Luiz Felipe pensou: “Posso pegar isso aqui e construir alguma coisa que faça sentido para meus alunos usando a matemática. Por que não?”, indagou a si mesmo.
O primeiro passo era conversar com os estudantes sobre o que era uma planta baixa e suas aplicabilidades. E assim foi feito. Em sala, o educador propôs que se formassem grupos e bolassem o projeto de uma casa. Nessa fase da atividade trabalhou-se escala, proporção, medida, proporcionalidade, além de se desenvolver instrumentos de geometria. Em outra etapa, a proposta era levá-los a uma loja de construção para que eles fotografassem os pisos e revestimentos que, supostamente, seriam usados em seus projetos.
“Nesse momento aproveitei para trabalhar divisão de área e outras operações”, revela. Mas nesse percurso, conta o professor, surgiu um imprevisto: a dificuldade de alguns com os números. Foi então que Luiz Felipe mostrou, mais uma vez, seu lado criativo e fez daquela dificuldade uma oportunidade de trabalhar com algarismos e operações.
É hora de aplicar o conhecimento
Munidos de conhecimentos e estimulados e envolvidos com a metodologia aplicada em sala para o desenrolar da atividade, os alunos começaram a criar as maquetes, ou melhor, dar vida aos seus projetos em toda a sua complexidade. A essa altura, os trabalhos já se transformavam em quase uma obra de arte da arquitetura, com toque peculiar do conhecimento adquirido por cada grupo de estudantes.
Vamos avaliar?
Acostumados com uma avaliação linear, os alunos foram surpreendidos positivamente nesse quesito, afirma Luiz Felipe. “A prova na verdade consistia em descreverem as dificuldades na concepção, no ensino-aprendizagem, bem como na parte criativa. Eu queria que eles refletissem sobre as habilidades que eles construíram ao longo da procriação do projeto”, destaca.
Para Luiz Felipe, recontar e reviver todo esse momento teve um significado muito especial, não somente por ter sido agraciado com o maior prêmio de Educação do Brasil, mas também por ter recebido a homenagem da Appai no 5º Encontro de Educação em outubro. E mais importante ainda foi poder dar voz e visibilidade a essa categoria formada por professores, pais, alunos e toda a comunidade escolar.
E como um dos principais veículos de ressonância da Educação Brasileira, através da divulgação dos projetos realizados pelos docentes, a Revista Appai fez questão de ouvir o Professor do ano. Acompanhe a entrevista.
RAE – O que o prêmio Educador Nota 10 representou para você?
Em um ano tão complexo, divido esse prêmio com todos os profissionais de Educação que se reinventaram para dar conta de uma demanda jamais vivida. Essa premiação não é a condecoração pessoal de um professor, mas de uma categoria e de todos que acreditam no poder de transformação por meio da Educação. Quantos professores aprendendo a usar tecnologias, preparando aulas, gravando e editando vídeos, transformando sua casa em sala de aula. Quantos gestores e secretarias de Educação mantendo a estrutura física preservada, elaborando estratégias para que o aluno receba de alguma forma um pouquinho de informação, de acolhimento, e mantenha o vínculo escolar.
RAE – Quais são os sintomas do conhecimento?
Conhecimento liberta, empodera e oportuniza. Vale ressaltar que um professor se constrói a partir de referências. Meus alunos, ex-alunos e seus familiares, amigos, colegas de trabalho, ex-professores, familiares, foram, são e serão referências na minha vida. Quantas aprendizagens, trocas, conhecimento, carinho, acolhimento, afeto e dedicação! Eu espero que a educação no meu país mude a vida de milhões de crianças para melhor, conduza o Brasil para um avanço tecnológico de ponta, para produzir bens de valor social para a população.
RAE – Como seus alunos e colegas receberam a notícia?
Com alegria e festa. Não só eles, mas toda a comunidade escolar e a localidade na qual estão inseridos. Eu separei alguns depoimentos de meus alunos e ex-alunos e amigos no Facebook:
“O que falar desse professor que marcou minha vida. Bom, primeiro de tudo eu gostaria de parabenizar o senhor por essa conquista, por nunca desistir da educação, por nunca abandonar nenhum aluno quando demonstrou alguma dificuldade. Professor, você é um exemplo de ser humano, de homem e de educador”, João Vitor Barros.
“Lembro que cheguei no colégio Alfa em 2013 no 7° ano, com meus 14 anos e uma reprovação na dependência de matemática (vocês já imaginam a desgraça que eu era em matemática né kkkkk). Ele tornou toda a minha revolta em matemática em amor, tornou a matemática algo tão simples que só ele sabe fazer”, Carolina Ribeiro.
“Obrigada por ter feito tanto por mim e principalmente por não ter desistido de mim.” Luana Pinto Soroa.
RAE – Como o senhor definiria o ano de 2020?
Vivemos uma pandemia. Os alunos precisam conhecer a importância de adquirir esses conhecimentos. Ensinamos a eles e certamente passam a valorizar mais os conceitos quando aprendem a usar. Mas nunca deixar de mostrar que, para ideias mais avançadas, precisamos de uma matemática mais sofisticada. E 2020 nos deu essa oportunidade através da tecnologia, da Inteligência Artificial e de todo o seu reinvento na educação.
RAE – Que nota o senhor daria à matemática?
Números infinitos. Se eles (alunos) têm uma senha que bloqueia o celular ou arquivos, devem isso à matemática. Nesses filmes tridimensionais, que eles adoram, um efeito de uma onda do mar, por exemplo, envolve equações dificílimas para que essa cena aconteça, requer modelos e equações. Aprendi que nossas crianças nos surpreendem quando as colocamos no papel de investigadores, de coautores de seus conhecimentos. É ter o aluno como protagonista, utilizando metodologias ativas, mas construindo os conhecimentos previstos nas habilidades do ano em que estão inseridos.
RAE – Como os projetos se definem ou se colocam dentro dessas metodologias ativas?
Esse projeto foi premiado agora, mas já trabalho com outros há muito tempo. Todavia, cada ano são crianças diferentes que trazem bagagens diferenciadas de aprendizagem, daí as adaptações metodológicas se basearem de acordo com a identidade daqueles alunos. Para assegurar a aprendizagem é preciso rever cada detalhe do processo educativo: o espaço da sala de aula, a grade curricular, os processos avaliativos, a questão da interdisciplinaridade e o despertar da inteligência emocional. Sou um professor atraído pelo desafio, pelas mudanças, pelo novo, e tenho consciência de que habitamos uma sociedade em permanente transformação e que podemos aprender a partir das indagações trazidas por nossas crianças. A chamada “sala de aula invertida” estava presente na minha atividade, mesmo sem tê-la colocado no meu planejamento pedagógico.
RAE – O ensino “mão na massa” leva o aluno para mais perto do seu dia a dia?
Atualmente ensina-se Geometria de forma hipotética, através de modelos. Você não desenha no quadro uma estrada de 1 km ou um terreno de dimensões 10m x 20m. Quando o aluno, principalmente nos anos iniciais, traduz na prática aquilo que na maioria das vezes é apresentado por modelos passa a fazer mais sentido no que eles estão aprendendo, desperta a curiosidade, estimula o conhecimento por busca de novos saberes, enfim faz com que se sintam mais felizes. O saber matemático desenvolve um comportamento lógico de raciocínio, que, uma vez adquirido, você nunca mais vai perder.
RAE – O que mudou?
Elaborar, em conjunto com os alunos, um cronograma de planejamento e ações a serem desenvolvidas ao longo do projeto, onde ao final da execução de cada etapa fazíamos uma análise e reflexão sobre os resultados obtidos, a fim de validá-la ou não, e prosseguir com as outras ações, é algo que vou utilizar para sempre em minhas atividades. No que diz respeito à busca de novos conhecimentos, o contato com arquitetos e engenheiros residentes no bairro trouxe para os alunos uma visão da importância de uma formação acadêmica, dos caminhos a serem trilhados e das dificuldades a serem enfrentadas para alcançá-la.
RAE – Esse pode ser considerado um novo caminho na sua avaliação?
Quanto à avaliação, além de observar se as habilidades previstas estão sendo consolidadas, pedir que eles escrevam sobre aquilo que aprenderam é muito significativo para mim. As autoavaliações me dão indicadores do quanto eles aprenderam, não só no aspecto matemático, mas também no formativo. O que expressaram em suas produções textuais é um material riquíssimo em termos de conhecimentos adquiridos.
RAE – O que esperar de 2021?
Um ano de desafios na área de educação. A pergunta que não sai da minha cabeça é: como trazer de volta os jovens que desistiram da escola para auxiliar no sustento da família? Acredito que precisamos acolhê-los para que se sintam bem e importantes, daí conscientizá-los e a seus familiares de que só o conhecimento pode abrir as portas de um futuro profissional interessante para eles. Gostaria de trabalhar com formação de professores, contribuir para uma educação mais significativa na nossa cidade.
Educadores que se destacaram em 2020
Conheça histórias inspiradoras de professores que transformaram a realidade de muitos jovens e fizeram a diferença na educação brasileira!
Mesmo a distância e em um ano desafiador, 2020 mais uma vez provou que os professores sabem se adaptar às mudanças e inovar. Juntos lutaram por uma educação mais inclusiva e participativa, mesmo que de forma remota e em meio a tantas dificuldades. Os prêmios ligados à educação também precisaram se reinventar e passar por transformações, mas elas aconteceram, e muitos nomes foram revelados e homenageados.
A Appai também precisou se ressignificar e o Encontro de Educação desse ano aconteceu de forma totalmente on-line. Quatro educadores foram homenageados, representando a classe e, claro, servindo de inspiração para os demais docentes. Um desses educadores, o professor Luiz Felipe Lins, cuja trajetória e história abriu essa matéria, também recebeu o título de Educador do Ano eleito pelo Prêmio Educador Nota 10, que celebra importantes iniciativas realizadas por professores Brasil a fora.
O Educador Nota 10 foi criado em 1998 pela Fundação Victor Civita e realiza desde 2014 a premiação em parceria com Abril, Globo e Fundação Roberto Marinho. Esse ano, a 23ª edição do prêmio precisou adaptar o formato para a nova realidade, e a tradicional cerimônia aconteceu como um programa de TV, com exibição multiplataforma nos canais do Futura e no Globo Play.
Luiz Felipe Lins foi consagrado Educador do Ano, eleito pela Academia de Jurados, e também foi o vencedor da votação popular #Esseprojetoé10, realizada pelo site do prêmio.
Ler transforma vidas
Outra professora homenageada pela Appai no evento de educação desse ano foi Priscila Cruz, que sabe da importância de incentivar o hábito da leitura desde cedo. Ela atua na Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, é autora do livro “Ouvi Chover Poesias” e criou o projeto de leitura De Conto em Conto, que desde 2017 promove leitura, interpretação coletiva de textos e atividades interativas entre professores e estudantes de uma unidade de ensino da Zona Norte da cidade.
A atividade interdisciplinar teve início com uma turma de 5º ano da Escola Municipal D. João VI, localizada em Higienópolis. Foi ali que começou a germinar não somente o incentivo ao contato com os livros, mas também a busca por um melhor desempenho na escrita, na identificação de gêneros e na interpretação textual dos educandos. “Me convenci de que era necessário incrementar o gosto pela leitura nos alunos. Para tanto percebi que era preciso mais do que simplesmente uma atividade isolada, mas algo que despertasse o interesse da turma como um todo e os estudantes se envolvessem no processo de aprendizagem na situação de protagonistas”, garante Priscila.
A educadora Priscila Cruz promove leitura e atividades interativas entre professores e estudantes da Zona Norte da cidade
No ano passado, o projeto já fazia parte da agenda pedagógica da escola, somando nove turmas do Ensino Fundamental II envolvidas diretamente. E não para por aí: também ganhou um grande reforço, através da parceria com a professora Ana Claudia Soares, responsável pela sala de leitura, que vem desenvolvendo atividades correlacionadas ao projeto nesse espaço direcionado especialmente para incentivar, fazer pesquisas, estudar e criar bons hábitos de leitura na escola, além de levar também para fora dos muros da instituição.
A iniciativa deu tão certo que a educadora recebeu uma homenagem na Câmara Municipal do Rio e esse ano virou um documentário lançado nas plataformas digitais do projeto. Os registros desses três anos de ações na Escola Municipal Dom João VI foram organizados em um compilado, costurados com relatos de mestres e alunos sobre como foi vivenciar a experiência de um trabalho literário interdisciplinar que incentiva a criatividade dos participantes.
Nobel da Educação
Com o objetivo de reconhecer o trabalho de educadores que transformam realidades, o Global Teacher Prize é considerado o maior prêmio internacional na área de Educação. Na edição de 2020, três brasileiros estão entre os 50 finalistas que concorrem ao prêmio de um milhão de dólares.
A premiação acontece anualmente e, nesta edição, conta com a parceria da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A ideia é homenagear iniciativas que impactam positivamente os estudantes e as comunidades das quais fazem parte. O valor do prêmio é usado para dar continuidade aos projetos inscritos.
Os três finalistas brasileiros do Global Teacher Prize 2020 foram Doani Bertan, Lília Melo e Francisco Freitas. A primeira é professora de educação especial e Língua Portuguesa na Escola Municipal de Ensino Fundamental Júlio de Mesquita Filho, localizada em Campinas, São Paulo.
Libras de forma divertida e lúdica
O desafio de levar educação de qualidade e aprendizagem adequada aos estudantes levou Doani Bertan a criar um canal no Youtube, o Sala8, para ensinar Libras (Língua Brasileira de Sinais) de uma forma divertida e lúdica. Antes da criação do canal, ela costumava gravar videoaulas e tirar dúvidas sobre as tarefas de casa por meio de videochamadas. Mas, por uma limitação de tempo e acessibilidade, percebeu que poderia sistematizar o conteúdo para ser trabalhado com mais profundidade.
A partir dos apontamentos da turma, sobretudo dos estudantes com deficiência auditiva, a educadora foi aprimorando as técnicas e não demorou até que os resultados começassem a aparecer. Os estudantes pediam para rever alguns vídeos, participavam na sugestão de temas e iam, aos poucos, se aproximando de uma educação igualitária entre os pares.
Segundo a educadora, as videoaulas são planejadas e desenvolvidas para atingir a todos, não apenas aos estudantes com deficiência. “Com a imersão dos alunos ouvintes na comunidade surda, a Libras passou a ser entendida como uma ponte para a comunicação, novas amizades, aprendizados e empatia”, explica Doani.
Juventude negra periférica: do extermínio ao protagonismo
Cine Clube TF. (Foto:Acervo Pessoal/Lília Melo)
Outra brasileira finalista do prêmio foi Lília Melo, docente de Língua Portuguesa e projetos na escola Brigadeiro Fontenelle, localizada em Terra Firme, em Belém no Pará. Em 2014, impactada pela violência recorrente no bairro em que dava aulas, a professora começou a notar que a evasão escolar aumentou. Em uma tentativa de trazê-los de volta, estimulando a sua autonomia, ela lançou o projeto Juventude negra periférica: do extermínio ao protagonismo.
A ideia era aprimorar e produzir arte na escola e para a comunidade, dentro e fora da sala de aula. A partir de oficinas de teatro, saraus, poesia, dança, capoeira, música e cinema, os estudantes de Ensino Médio passaram a ocupar a escola e as ruas com suas próprias vozes, criando vínculos e narrando suas vivências. Esse projeto rendeu à Lília o Prêmio Professores do Brasil, realizado pelo Ministério da Educação (MEC), em 2018.
Para trabalhar ainda mais a questão da representatividade, a educadora mobilizou uma campanha, com a ajuda da imprensa local, para levar seus estudantes ao cinema. Nem todos tinham condições de comprar os ingressos para assistir o filme “Pantera Negra”, da franquia Marvel, que conta a história de um herói negro e uma comunidade única capaz de salvar o mundo com a sua cultura e tecnologia.
Na época, empresas se uniram para tornar essa oportunidade possível, custeando a viagem e os ingressos de cerca de 400 estudantes. As reflexões posteriores foram essenciais para motivar e estimular as produções audiovisuais do Cine Clube TF, feitas pelos próprios estudantes e exibidas na rua, para que toda a comunidade pudesse participar.
Culturas que transformam
O outro brasileiro indicado ao Global Teacher Prize foi Francisco Celso Freitas, professor de História e especialista em educação inclusiva no Centro de Ensino da Unidade de Hospitalização de Santa Maria, no Distrito Federal. Além da atividade docente, ele também é produtor cultural e acredita que a arte é um importante instrumento pedagógico para disseminar os direitos humanos. E foi através da cultura, da música e da educação que transformou a vida de cerca de 150 jovens dentro da unidade onde leciona desde 2015.
A instituição abriga meninos e meninas que têm problemas com a lei e estão privados de liberdade. A fim de mudar o estigma e engajar os jovens em uma narrativa que conversasse mais com a realidade deles, o educador começou a usar a música e a cultura do hip-hop para debater direitos humanos e cultura de paz. Foi a partir de saraus, rodas de conversa, festivais de música, cinedebates e outras atividades culturais, que os estudantes passaram a fazer parte do projeto RAP (Ressocialização, Autonomia e Protagonismo).
Não demorou até que os jovens se transformassem em artistas e começassem a lançar suas próprias produções: videoclipes, músicas, e-books. Todos compartilhados publica e gratuitamente, para que outras pessoas pudessem conhecer e se inspirar a partir desses trabalhos. Em 2019, um desses produtos audiovisuais, o videoclipe “18 razões para a não redução da maioridade penal”, entrou para a exposição no 52º Festival do Cinema Brasileiro.
Para matar a saudade dos alunos
Maura Cristina Silva, professora mineira, formada em Letras pela Universidade Católica de Brasília (UCB), viralizou na internet durante a pandemia ao criar o Kit Abraço. Ela que leciona na Escola Municipal Frei Vicente do Salvador, em Padre Miguel, Zona Norte do Rio, pensou em uma forma de poder voltar a abraçar os pequenos, após meses de contato apenas virtual. Foi aí que ela teve a ideia da ação.
Com saudade do contato diário com os mais de 50 alunos, teve uma ideia bem original: criou o Kit Abraço. Ela encheu a bolsa de capas de chuva plásticas, máscaras de tecido e álcool em gel, tudo bem higienizado, e foi à casa dos estudantes para abraçá-los, cena que emocionou pais e crianças. “Eu tenho uma relação muito intensa com meus alunos, alguns eu acompanho há cinco anos. Estavam com muita saudade. Eu fui dar um abraço para mostrar que a escola ainda está conectada com eles, mesmo com as aulas interrompidas desde março por causa da pandemia”, conta a professora.
Maura Cristina Silva criou o Kit Abraço durante a pandemia para matar a saudade dos seus alunos
Mas a docente, que foi homenageada no Encontro Appai de Educação, não queria apenas bater na porta de cada aluno e dar o abraço. Por isso, também contratou um carro de som para chegar tocando músicas que os estudantes estavam acostumados a ouvir durante as tarefas na sala de aula. Foi então que ela combinou com os pais para que a visita fosse uma surpresa, e o resultado do encontro com as crianças, a maioria com 8 ou 9 anos, não poderia ser diferente: emocionante.
De acordo com Maura, nas aulas remotas, os alunos já estavam falando que queriam estar aí na casa da professora para lhe dar um abraço. “Elas já estavam no limite e não tinham noção do quão bem poderiam me fazer”, relata. Para adoçar o encontro, os pequenos também ganharam um saquinho de guloseimas. “Minha primeira preocupação era de que tinha que ser seguro. Fiz questão de abrir as embalagens na frente dos pais, para mostrar que estava tomando cuidado. São 57 alunos no total”, diz Maura.
A relação da professora com os estudantes vai muito além da sala de aula. Com 47 anos, Maura Silva dedicou 26 anos da sua vida ao magistério, 19 deles no Rio de Janeiro e os últimos 12 na Escola Municipal Frei Vicente do Salvador. Isso fez com que o vínculo entre a docente e os pequenos fosse se fortalecendo com o passar do tempo. O carinho demonstrado com os alunos também é retribuído pelos pais.
Além de Padre Miguel, Maura percorreu os bairros de Realengo, Bangu e Vila Kennedy na companhia de um carro de som. A trilha sonora foi escolhida a partir de músicas que os alunos costumavam ouvir em aula. A ideia da professora era que eles reconhecessem as canções. “E deu certo. Quando cheguei na casa de um deles, o carro tocava ‘Peça felicidade’, do trio Melim, e meu aluno há cinco anos correu para ver o que estava acontecendo”, descreve a cena emocionada.
Aula presencial remota
Ao mesmo tempo, para manter os alunos conectados com o ensino, a Secretaria Municipal de Educação, durante o período de suspensão das aulas, lançou o SME Carioca 2020, plataforma digital com atividades para os estudantes. O novo sistema tem feito sucesso e o app já passou dos 5,6 milhões de acessos. O aplicativo possui conteúdo pedagógico para todos os segmentos, da Educação Infantil ao Programa de Jovens e Adultos. De fácil manuseio, pode ser baixado via celular, notebook, tablet e computador.
Era uma vez: páginas presas que foram libertas
Ana Cláudia de Abreu Soares, também homenageada no Encontro Appai de Educação, é contadora de histórias, escritora, professora e estudante na Escola Portátil de Música. Foi finalista no Prêmio Educador Nota 10 em 2019 com o projeto Lê Comigo!, uma iniciativa de literatura que impactou a escola, transformando-a em uma comunidade leitora. Ela atua como regente da sala de leitura JG de Araújo Jorge, da Escola Municipal Dom João VI, e por lá estimulou as crianças a diversas formas de contato com os livros: propôs várias modalidades de leitura, como autônoma, silenciosa e compartilhada, contação de histórias e relação da literatura com o cinema e o teatro. Além de visitas de autores e parcerias com outros professores.
O Lê Comigo é um trabalho voltado para despertar a paixão pela leitura em alunos do Ensino Fundamental. O projeto levou Ana Cláudia a um patamar de destaque no cenário nacional da Educação. Entre quase 5 mil concorrentes de todo o Brasil, esta professora de Língua Portuguesa da Secretaria Municipal de Educação do Rio teve o projeto classificado entre os 50 melhores do Educador Nota 10 no ano passado. “Foi uma emoção muito grande receber a notícia de que eu estava no meio de tanta iniciativa incrível pela educação brasileira. E o que me moveu para acreditar na minha ideia e me inscrever foi perceber que a leitura sempre será importante na vida das pessoas e existe uma urgência para que essa juventude leia livros”, explica Ana Cláudia.
O trabalho da professora acabou abraçando toda a escola em que ela atua, trazendo até mesmo a comunidade para dentro deste espaço. A unidade também inclui alunos com deficiência que estudam tanto em classe especial como nas regulares. “As obras literárias são para todos. Por isso, fiquei emocionada ao ver o quanto os estudantes estavam lendo depois que o projeto emplacou. Como o Ziraldo, acredito na paixão pelo livro e não no hábito. Uma vez que você o ama, nunca mais esquece, enaltece a professora que desenvolve a ação desde 2012.
Unindo leitura e sustentabilidade, a professora Ana Cláudia embalou geladeiras que iriam para o lixo e depois recheou de histórias
Em parceria com pais e com a comunidade escolar, Ana Cláudia adquiriu geladeiras com defeito que iriam para o lixo e conseguiu doações de um novo acervo para ampliar o seu projeto. Apelidada de “gibizeira”, o eletrodoméstico foi embalado de quadrinhos da Turma da Mônica e tirinhas de jornal e, pouco tempo depois, ficou recheado de histórias que já foram lidas por centenas de estudantes no horário do recreio. Já no café literário, que fica em um dos corredores, a decoração feita pela professora em um antigo frigobar convida os estudantes para procurar novas aventuras e conhecimentos. “O que me motivou a fazer essa ação toda foi que eu me questionava se os livros estavam mesmo sendo lidos e se, em casa, eles tinham um local para ler. Essa dinâmica me inquietava. Até que eu decidi criar, junto com toda a escola, esses espaços e mostrar que eles não precisam estar reunidos em um só ambiente. Os estudantes podem, ao invés de ficar pensando em besteira, escolher um livro, se apaixonar e multiplicar as histórias pelo mundo”, ratifica a criadora do projeto.
Ana Cláudia também é escritora e, a partir da sua experiência trabalhando na Escola Municipal Dom João VI, publicou em 2017 o livro infantil “No quintal da vovó Lídia”.
Caravanas de Chico
Sem dúvida, esta seleção consagra o programa pedagógico da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, pois mais uma vez o trabalho dos professores da rede municipal carioca ganha destaque no prêmio Educador Nota 10. No ano passado, o professor de História José Marcos Couto Júnior, que também foi homenageado na edição anterior do Encontro Appai de Educação, foi escolhido o Educador do Ano, título concedido durante a premiação da 21ª edição, em outubro, na Sala São Paulo. Ele é autor do projeto Caravanas, de descoberta do entorno da comunidade e com a questão de invisibilidade social, que implementou na Escola Municipal Átila Nunes, em Realengo. Nessa atividade, a música de Chico Buarque foi usada para discutir essa questão e também a inserção do negro na vida brasileira. Com o trabalho, os alunos passaram a refletir sobre seu papel na sociedade.
Por Antônia Lúcia, Jéssica Almeida e Richard Gunter
Escola Municipal Francis Hime
Estrada do Pau da Fome, 196 – Jacarepaguá – Rio de Janeiro/RJ
CEP: 22723-497
Tel.: (21) 3412-8281
Diretora: Mônica Araújo de Souza
Professor idealizador do projeto: Luiz Felipe