Nossa Senhora Aparecida, a Padroeira do Brasil


A devoção a Nossa Senhora Aparecida é talvez a maior expressão de fé do Brasil, uma história que desde o início se relaciona com os sentimentos mais profundos do povo. Tudo se inicia no ano de 1717, numa localidade à época pertencente à freguesia de Guaratinguetá, quando chega a notícia de que o conde de Assumar, naquele momento governador da província, em seu trajeto até Vila Rica, passaria um tempo na região. As pessoas da cidade então se apressaram para oferecer ao ilustre visitante aquilo que possuíam de melhor e encarregaram três pescadores muito experientes de adquirir no rio Paraíba do Sul – base da economia da região – os pescados com que seria oferecido o banquete.

Assim, João Alves, seu pai Domingos Garcia e Felipe Pedroso, seu tio, foram para a pesca a fim de cumprir o que lhes fora solicitado. Surpreendentemente não conseguiam obter, com a fartura habitual, a pesca pretendida, não obstante estarem utilizando todo o conhecimento que possuíam. Depois de várias tentativas infrutíferas, eis que na rede lançada por João aparece um corpo estranho, a princípio não identificado, mas depois deixando entrever que se tratava de uma imagem sem a cabeça. Pressionados pelos resultados que tinham que apresentar, lançaram de novo as redes, e foi novamente pelas mãos do rapaz que um outro corpo diferente é encontrado. Tratava-se da cabeça da imagem, que se encaixava no corpo de modo a não deixar dúvidas quanto ao fato de tratar-se de uma imagem de Nossa Senhora da Conceição.

Depois de alguns anos, com a grande movimentação que os devotos faziam ao local, tornou-se necessário construir a primeira capela. A fama da santa chegou aos ouvidos de pessoas mais ilustres e, em 1822, meses antes de proclamar a Independência do Brasil, o próprio príncipe regente, de passagem pela região, teria resolvido visitar a pequena ermida.

Em 1868 foi a vez de a Princesa Isabel conhecer a capela, repetindo a visita em 1888, segundo alguns historiadores dessa expressão mariana, para cumprir uma promessa que fizera à santa caso conseguisse realizar seu grande sonho: ser mãe. Por muito tempo, porém, uma lenda sustentou a ideia de que a promessa era a de viabilizar seu intento de abolir e escravatura no Brasil. Nessa ocasião a governante teria levado de presente para a imagem o manto azul e a coroa de ouro carregada de diamantes e rubis com que normalmente aparece em suas representações.

A devoção a Nossa Senhora Aparecida crescia imensamente, com os fenômenos ali produzidos chamando a atenção de gente por todo o país. Começa então a ser construído um templo maior, e tantas e tamanhas eram as caravanas de peregrinos que para lá acorriam, que ele acabou por tornar-se a maior igreja do mundo consagrada a Nossa Senhora, ganhando status de basílica. Em 1909, em reconhecimento à grande fé popular que ali era praticada, o templo é agraciado pelo Papa com a honra de receber os ossos de São Vicente Mártir, privilégio que o colocou em pé de igualdade e importância frente às grandes catedrais católicas do mundo.

Paralelamente à devoção que os brasileiros cada vez mais iam depositando nessa expressão da mãe de Jesus, a localidade cresce e se desenvolve. Em 1928 é fundada a cidade de Aparecida do Norte, que passa a ser denominada a “Capital mariana do Brasil”. Dois anos depois uma lei federal decreta Nossa Senhora Aparecida a padroeira oficial do país, passando a ser feriado nacional o dia em que a imagem foi encontrada nas águas do Paraíba do Sul, 12 de outubro. No ano de 1967 o Papa Paulo VI, em comemoração aos 250 anos da devoção, concedeu à basílica a Rosa de Ouro, uma insígnia muito tradicional oferecida a personalidades ou entidades nas quais se reconhecem grandes benefícios à fé cristã.

A devoção a Nossa Senhora Aparecida se tornou a maior do Brasil, superando as outras expressões marianas e a devoção aos muitos santos. Vários pesquisadores que se dispuseram a estudar essa fé têm atribuído à própria história da santa os elementos que tanto vêm seduzindo gerações de pessoas, caracterizando-a como uma entidade genuinamente brasileira.

Pra começar destaca-se o fato de que a imagem, originalmente criada com uso de muitas cores, estampa a cor escura na pele de Nossa Senhora, num efeito que já foi atribuído à ação das águas do rio Paraíba do Sul. No século XVIII, quando a figura é encontrada, o Brasil ainda é uma colônia de Portugal, de modo que pouco havíamos despertado para a ideia de uma identidade nacional.

Os africanos e afrodescendentes eram ainda escravos, e a população, em sua maioria, extremamente mestiça, sendo composta por indígenas, caboclos, mulatos, negros, mamelucos e demais variantes raciais. Nesse contexto uma figura da mãe de Jesus refletindo o tom amarronzado da grande massa de brasileiros certamente haveria de despertar muitas expressões de simpatia popular. Os supostos milagres beneficiando aquela humilde gente mestiça que inicialmente lhe presta culto, totalmente desprovida de atenções por parte do estado, é também um outro aspecto significativo. Não podemos esquecer as lutas abolicionistas que mais tarde haveriam de se iniciar no Brasil e naturalmente contribuíram para torná-la a Nossa Senhora dos escravos, que a tinham como grande protetora, conforme a fé e a esperança de melhor sorte que passariam a alimentar a conselho dos padres.

Há também a circunstância de a imagem ter sido achada nas águas, pois muitos povos indígenas brasileiros têm em suas mitologias a crença de que seus antepassados são oriundos desse elemento. Por essa mesma ideia de que as águas são a origem de tudo que vive (como de certa forma afirma a própria ciência ocidental), historicamente esse elemento é associado ao feminino, à mãe que dá a vida.

Mulher e água constituem uma associação, aliás, que não falta também na cultura de Portugal, com as conhecidas lendas de mouras e sereias, e a devoção a Nossa Senhora dos Mártires e à Estrela do Mar, que remontam a tempos muito antigos. Há ainda quem vá mais longe e relacione a imagem a possíveis reminiscências dos antigos cultos dispensados às chamadas Madonas Negras, objetos de culto praticados no mundo antigo e que teriam passado para a cristandade sendo associadas às representações marianas.

Muitos templos católicos, especula-se, teriam abrigado disfarçadamente antigas escolas iniciáticas, de forma que a presença dessas imagens atenderia a finalidades de cultos diferentes do praticado pelo catolicismo tradicional. Não se pode descartar a hipótese de que essas seitas ocultas tivessem aqui se abrigado durante o período colonial. Hipóteses concretas ou viagens da imaginação, o fato é que o Brasil todo se comove e se rende às expressões marianas, com Nossa Senhora Aparecida, a madona negra brasileira, sendo talvez aquela que melhor expressa a fé e a crença popular.

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Por Sandro Gomes | Professor, escritor, mestre em literatura brasileira e revisor da Revista Appai Educar.


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