A Balaiada, mais uma revolta camponesa no Brasil

A Balaiada
A Balaiada no sertão do Maranhão.

Seguindo o roteiro do Brasil dos anos seguintes à Independência, quando muitos conflitos regionais irromperam, o sertão maranhense se rebelaria contra as principais mazelas que atormentavam a maior parte da população, como a pobreza, as péssimas condições de vida e o mandonismo de líderes locais. No episódio que entraria para a história brasileira com o nome de Balaiada, esses componentes não faltaram, somando a ânsia da população excluída por uma vida menos sofrida com um cenário de importantes mudanças sociais e políticas que tiveram início nas esferas mais altas, com a própria decretação da autonomia em relação ao colonizador, e se espalharam por vários pontos do país, cada uma delas sendo influenciada pelas realidades locais.
 
Nas primeiras décadas do século XIX, o interior da província do Maranhão mantinha sua população dentro do padrão de vida habitual do meio ambiente sertanejo. Pobreza, miséria, exploração e ainda o pulso firme dos latifundiários muitas vezes extrapolando a esfera da engrenagem produtiva e avançando em direção a excessos de poder e desmandos de toda sorte. Um desses episódios estaria relacionado com os primeiros focos da rebelião que sacudiria o sertão maranhense. O irmão de um certo Raimundo Campos, vaqueiro conhecido em certas regiões sertanejas, fora preso de forma arbitrária pela força policial local, o que despertaria um forte sentimento de revolta na população. É organizada então uma ação para libertar o camponês, liderada por seu irmão, que acabaria bem-sucedida e ficaria conhecido pela alcunha de “Cara Preta”. O fato naturalmente acenderia o ânimo dos sertanejos, que não tardariam a apostar em outras investidas para acabar com o poder desmedidos dos proprietários de terra.
 
Uma outra figura então surge nesse explosivo ambiente e ajuda a fortalecer o em princípio desordenado movimento. Manoel Francisco dos Anjos Ferreira, conhecido como “Balaio”, por sua atividade de artesão desse artefato, não só daria nome à luta dos camponeses como seria o seu grande referencial enquanto se desenrolavam os atrozes conflitos que duraram em torno de três anos, a partir de 1838. Apesar do início marcado fundamentalmente pelas demandas da população sertaneja, o movimento também despertaria o interesse de uma classe média local, que de alguma forma também sofria os efeitos daquela ordem excessivamente centrada no poder de latifundiários da região.
 
Tendo na cultura do algodão uma grande fonte de renda, a região sofria com uma forte crise envolvendo esse produto, o que levava certos setores da classe média – em grande medida simpatizante de uma visão republicana que naquele momento começa a se popularizar por todo o país – a também questionar a eterna presença, nos postos de decisão do poder, das mesmas famílias de proprietários rurais e seus representantes. Dessa forma, houve a aproximação entre esses setores e os sertanejos que já vinham patrocinando algumas ações armadas em questionamento aos poderosos locais. De início, o casamento entre esses dois segmentos sociais parecia promissor. No espaço urbano das proximidades da vila de Caxias, era criado o periódico “Bem-te-vi”, voltado para difundir ideias republicanas e que serviria também para popularizar e atrair simpatizantes para as lutas dos balaios pelo sertão. Estes, por sua vez, à medida que obtinham certo sucesso em desafiar as tropas oficiais e de jagunços dos líderes locais, iam conseguindo também a adesão de muitos deserdados e excluídos, que, se por um lado colaborariam para encorpar a revolta, por outro ajudariam a enfatizar a desorganização e o despreparo dos rebeldes para um movimento que cada vez criava mais expectativas para a população mais sofrida do sertão.
 
O resultado disso foram episódios desordenados que envolviam saques, depredações de patrimônio, desforras e não raro cenas de banditismo, que aos poucos instalaram um quadro de caos social. Um fator que também despontaria no bojo dos acontecimentos foram as muitas fugas de escravos, que injetavam nos grupos rebeldes um contingente que fazia número, por um lado, mas por outro se mostrava totalmente despreparado para ações ordenadas necessárias para o êxito nos pontos de combate. Nesse capítulo da entrada de cativos para a luta dos balaios se destacaria a figura de outro importante líder do movimento, Cosme Bento, que teria comandado algo em torno de três mil escravos, que abandonaram um quilombo em que se reuniam fugitivos de fazendas e se juntaram às tropas. Aliás, foi muito forte o viés antiescravista no movimento, ficando conhecida entre os revoltosos a quadra que dizia: “O Balaio chegou! / Cadê branco! / Não há mais branco / Não há mais sinhô”.
 
Todo esse quadro, apesar de desarticulado, chegaria a produzir alguns frutos. Em 1839 os revoltosos conseguiram tomar a vila de Caxias e lá instituíram um governo provisório, decretando o fim da Guarda Nacional e expulsando indivíduos de origem portuguesa. Esse último fato revelaria dois importantes vieses do movimento. Primeiro, a presença ainda forte de ideias geradas durante os conflitos que se travaram contra tropas fiéis à coroa portuguesa durante o processo de independência, que levavam a maior parte da população a repudiar a presença dos antigos colonizadores. Em segundo lugar, o caráter sertanejo da revolta, que procurava “limpar” o sertão da presença das elites que herdaram as antigas estruturas latifundiárias que tiveram início na posse de terras por colonos portugueses.
 
Mas a Balaiada não resistiria a sua falta de organização e à situação caótica que se instalaria em seguida, trazendo consigo o rastro de marginalidade e vandalismo, que não demoraria a ocasionar na deserção da classe média, que ao contrário, sofrendo também aquelas consequências, passaria de apoiadora a perseguidora dos sertanejos rebeldes. O quadro de turbulências sociais não demoraria a despertar a atenção do governo imperial que, atendendo aos pedidos dos proprietários de terra que se viam ameaçados, enviaria tropas para conter os rebeldes. Nesse momento entra em cena o coronel Luis Alves de Lima e Silva, enviado da corte diretamente para a região das proximidades da vila de Caxias, onde os balaios haviam fixado sua sede. Militar hábil e preparado nas fileiras do exército brasileiro, com experiência na luta pela independência e no conflito na Cisplatina, não encontraria muitas dificuldades para dominar a vasta região em que os revoltosos mantinham atividade, atuando como comandante de tropas do Maranhão e de dois estados vizinhos, Ceará e Piauí. A grande competência bélica do oficial permitiria dominar com relativa facilidade as áreas detidas pelos balaios que, além de pouco organizados, não iam além dos conhecimentos limitados de uma guerrilha rural. Mesmo assim, no pouco mais de um ano de duração dos combates entre as tropas oficiais e os balaios, restaria um saldo estimado de aproximadamente doze mil mortes, principalmente entre os sertanejos.
 
Em 1840, Lima e Silva anunciava o completo domínio sobre as regiões em que os revoltosos tinham se instalado, após acenar com a proposta do governo imperial de anistiar os revoltosos, que faria com que muitos desertassem, enfraquecendo o movimento. O sucesso militar lhe renderia o título de barão, concedido pelo imperador Pedro I, em reconhecimento aos serviços prestados ao país e ainda com a rara honraria de poder escolher o nome do seu título. Como forma de celebrar o seu êxito no sertão maranhense, optou pela alcunha de Barão de Caxias, em referência à cidade em que os balaios conseguiram ir mais longe em sua causa.
 
O destino dos líderes, que se recusaram a abrir mão da luta, naturalmente seria o mesmo reservado a outras figuras chave de movimentos de revolta contra o poder central no Brasil, como Tiradentes, Antonio Conselheiro ou Samuel Beckman. Em 1841, o líder negro Cosme Bento seria o último grande cabeça do movimento a ser capturado, sendo executado na forca. Antes dele, Raimundo Gomes já havia morrido em condições não bem explicadas, enquanto era levado para o exílio em São Paulo, e Manuel Ferreira, o “balaio”, sucumbia depois de uma gangrena ocasionada por um ferimento em combate.
 
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