Inovações na formação de professores no século XXI

A formação docente não pode mais ser pensada sem uma abordagem integral que contemple elementos, que vão desde a valorização, passando pela tecnologia, pesquisa, prática reflexiva e um olhar atento às competências socioemocionais


Inovação é uma das palavras mais faladas e/ou ouvidas em todos os contextos e cenários, sobretudo no século XXI. Soma-se ao seu significado semântico a sua grande representatividade atualmente, em que a cultura de fazer algo acontecer em prol de um melhor resultado é parte do ritual da evolução humana. E na educação não seria diferente!

Mas, como na vida real, essa tecnologia educacional está transformando a formação de professores e quais são os benefícios mais notáveis até agora? Para responder essa e outras questões convidamos um time de especialistas que irão colaborar com seus conhecimentos, a fim de adentrarmos nesse tema cada vez mais discutido por todos, e em todos os lugares, devido ao amplo acesso à informação proporcionado pela internet.

 

Tecnologia, formação e benefícios

Quem abre esse painel é o Doutor em Educação pela Universidade Federal Fluminense Wendel Freire, que também é consultor em Gestão do Conhecimento, em Comunicação Empresarial e em Educação e Tecnologia. “Não avançamos tanto quanto deveríamos”, afirma. Segundo ele, há em muitas licenciaturas disciplinas que se dedicam a apresentar diversas tecnologias, sobretudo as digitais, em situações de ensino-aprendizagem. Mas o ementário de muitas outras ignora esse aspecto da formação, ficando dependente de um docente que tenha sensibilidade e insira a questão em sua disciplina.

“Em instituições que pensam as tecnologias educacionais juntamente com as metodologias de ensino, podem ser encontradas experiências e práticas que investem de modo efetivo na produção acadêmica em sala de aula, na autonomia do aluno, na capacidade de resolução de problemas e na interpretação ativa do mundo. Estes são elementos característicos de uma compreensão das tecnologias como parte indissociável do cotidiano escolar”, pontua o Doutor em Educação.

Na opinião do professor André Codea, a formação docente contemporânea é inseparável das tecnologias educacionais, cuja influência revolucionou tanto os conteúdos quanto as metodologias de ensino. “A internet e os recursos digitais, impulsionados pela pandemia da Covid-19, romperam barreiras geográficas e temporais, permitindo que professores acessem cursos, workshops e webinars de qualquer lugar e a qualquer momento. A personalização do conteúdo, facilitada por ferramentas de aprendizagem adaptativa, também se destaca, garantindo que os professores desenvolvam competências no seu próprio ritmo e de acordo com seus interesses”, frisa Codea.

Além disso, diz o professor, tecnologias emergentes como simuladores e ambientes de realidade virtual e aumentada estão começando a impactar a educação brasileira, oferecendo aos docentes a oportunidade de experimentar cenários controlados de sala de aula antes de enfrentarem situações reais. “Isso pode reduzir a ansiedade e melhorar a tomada de decisões. Sem falar que as tecnologias também fomentam a criação de redes globais de apoio entre professores, permitindo a troca de experiências e boas práticas em um ambiente sem fronteiras, ampliando o repertório pedagógico e o senso de pertencimento a uma comunidade global de educadores”, exalta.

 

Ferramentas digitais e o professor do século XXI

Entre os muitos pontos sensíveis quando o assunto é inovação, um deles diz respeito ao uso das ferramentas digitais, essenciais para os professores do século XXI, e como elas podem ser integradas efetivamente no currículo de formação. Sobre isso, Codea revela ser importante ressaltar que a prática docente cada vez mais depende das ferramentas digitais. “Neste sentido, não há como pensar em aulas on-line sem plataformas de gestão de aprendizagem como o Moodle, o Google Classroom, o Zoom e outras tantas. Cada uma delas tem seus prós e contras, e é mais adequada a determinado contexto. O mesmo acontece com as ferramentas colaborativas, como o Google Drive e o Microsoft Teams, que podem fomentar a troca de materiais e a aprendizagem colaborativa entre professores e alunos”, conclui.

Porém, segundo André Codea, uma das mais importantes ferramentas digitais são as de avaliação, que são capazes de criar abordagens dinâmicas e interativas, ajudando a manter os alunos engajados enquanto coletam dados sobre o desempenho dos estudantes em tempo real. “Neste sentido, o muito popular Kahoot e o não tão conhecido Socrative são os mais utilizados pelos professores”, sugere, enfatizando que uma abordagem teórico-prática é sempre mais adequada em termos de formação de docentes e pode incluir atividades que envolvam a criação e o gerenciamento de alunos nessas plataformas, além da simulação de avaliações on-line e da participação em projetos colaborativos entre os próprios formandos por meio das ferramentas digitais.

Ao avaliar a temática, Wendel relata que, em publicação recente, o professor Ethan Mollick, da Universidade de Wharton, anunciou que vivemos o “apocalipse do dever de casa” com a chegada de inteligências artificiais generativas. “Nesse aspecto, vejo mais uma oportunidade de termos uma educação que valoriza o aprender fazendo, que não seja tão transmissiva, que não tenha no dever de casa o momento mais frequente de produção acadêmica. John Dewey, Paulo Freire, Anísio Teixeira e outros grandes pensadores já apontaram o caminho”. Diante de algo tão disruptivo como as inteligências artificiais generativas, temos o clima propício para pensar em usos pedagógicos que ampliem a capacidade de docentes e discentes elaborarem conhecimento. “Entendo que as inteligências artificiais disponíveis são, hoje, as principais interfaces para repensar práticas pedagógicas”, opina.

Ainda de acordo com Wendel, inteligências artificiais generativas podem ser inseridas no cotidiano escolar para que se compreenda como fazer perguntas e, portanto, se alimente a curiosidade como chave para a construção do conhecimento. “Podem ser trabalhadas como assistentes nas tarefas que exijam cruzamento de dados, em diálogos nos quais a interface adquira diferentes papéis solicitados, em comparações entre diferentes textos ou em traduções e revisões. As possibilidades são inúmeras”, destaca Wendel.

Por outro lado, Freire constata que práticas emancipatórias devem levar em conta não apenas dispositivos recentes e digitais. “Ao processo de ensino-aprendizagem é fundamental o diálogo com tecnologias analógicas combinadas com as digitais. E todas elas devem passar por um olhar crítico que não apenas permita a utilização para ensinar conteúdos factuais, mas que também favoreça a expressão e a produção intelectual. Sem esquecer ainda de abordar essas mesmas tecnologias como objetos de estudo”, complementa.

 

Formação baseada em competências

Quando se fala em ensino baseado em competências, essa metodologia prioriza a aplicação prática do conhecimento e a capacidade dos alunos de demonstrar habilidades específicas de forma eficaz. Essa abordagem permite que os alunos avancem em seu próprio ritmo, à medida que demonstram a compreensão e a capacidade em áreas-chave, tornando o aprendizado mais personalizado e relevante para suas necessidades e objetivos. O foco está em resultados claros e mensuráveis, assegurando que todos os alunos adquiram as competências essenciais necessárias para sua educação ou carreira futura. Para André Codea, a formação baseada em competências é talvez a melhor abordagem atual, por ser mais prática e direcionada para a preparação o mais real possível do docente. “Mas, principalmente, sua relevância se revela ao focar no desenvolvimento de habilidades reais que os professores precisam para enfrentar os crescentes desafios da sala de aula. Ao focar nas competências e habilidades como principal abordagem do aprendizado, proporciona-se o conhecimento acadêmico aliado à capacidade de aplicá-lo efetivamente na sala de aula”, contextualiza.

Continua afirmando que tal abordagem permite o enfrentamento de desafios, como a diversidade cultural e social, a inclusão de alunos com necessidades especiais e altas habilidades, e o uso efetivo de tecnologia em sala de aula, de acordo com as condições contextuais, o que possibilita que os professores lidem melhor com situações inesperadas e dinâmicas. “Por isso, são vitais na formação docente abordagens como as metodologias ativas, a gestão de sala de aula e a adaptação de conteúdo para diferentes contextos de aprendizagem, além do foco na resolução de problemas e na tomada de decisão prática”, completa Codea.

 

Como os programas de formação estão abordando essas necessidades

“Em um mundo cada vez mais conectado, que exige cada vez mais competências em ferramentas tecnológicas e metodologias digitais, destacam-se a alfabetização digital, as competências socioemocionais e a capacidade de flexibilização pedagógica. Como costumo dizer em minhas palestras e cursos, é extremamente necessário que o professor construa uma caixa de ferramentas que contenha uma diversidade de metodologias e abordagens, que possam efetivamente facilitar o seu trabalho nos contextos de diversidade e inclusão cada vez mais presentes na sala de aula”, afirma Codea

Outra tônica abordada por André Codea recai sobre competências socioemocionais que também constituem um aspecto crucial na formação docente, pois, na sua visão, a falta delas pode tornar extremamente difícil a gestão da sala de aula. “Programas de formação docente que não incluem módulos de inteligência emocional, desenvolvimento de resiliência, técnicas de autocuidado e práticas reflexivas estão fora de sintonia com as necessidades atuais das salas de aula. Além disso, um módulo que contemple as variadas metodologias ativas de aprendizagem, na forma de workshops, pode viabilizar mais estratégias de ensino-aprendizagem à caixa de ferramentas do professor”.

 

Aprendizagem colaborativa

Aprender colaborativamente é uma prática poderosa que permite não apenas o compartilhamento de experiências, estratégias e recursos, mas também a compensação de fraquezas e dificuldades individuais. Quando os alunos trabalham em pares ou grupos, as fraquezas são compensadas e surgem oportunidades para inovação, graças às diferentes perspectivas trazidas para a solução de problemas. Isso resulta no desenvolvimento de práticas mais eficazes e adaptáveis às necessidades de todos.

“Para mim, essa abordagem é revolucionária, especialmente com o apoio das tecnologias digitais. Ferramentas como Microsoft Teams e Slack, apesar de ainda terem espaço para melhorias (como a necessidade de serem mais intuitivas), criam redes de apoio que permitem a troca de recursos e a discussão de desafios em tempo real. Vejo isso como um grande benefício para a educação, pois professores mais experientes podem orientar os novos, e seminários, congressos e encontros institucionais ajudam a manter um fluxo contínuo de conhecimento e inovação”, afiança Codea

 

Educação socioemocional na formação de professores

Na opinião da consultora educacional, filósofa, escritora e palestrante Paty Fonte,  aprimorar o relacionamento interpessoal e desenvolver habilidades como autoconhecimento, empatia, resolução de problemas, resiliência, faz com que os professores estabeleçam relações mais profundas com os alunos; planejem e gerenciem suas aulas de forma mais eficaz; sejam exemplos positivos aos estudantes; elevem a sua autoestima e melhorem o próprio bem-estar. Ainda segundo Paty, apesar de muito se falar a respeito, ainda não há uma real integração do tema nos programas de desenvolvimento profissional.

“Não há como ensinar o socioemocional, mas sim vivenciar experiências e provocar reflexões para saber como desenvolver, como potencializar as diversas habilidades socioemocionais. E para realizar isso nos alunos, primeiro é essencial que os professores façam com eles mesmos, que haja espaço e tempo disponíveis às suas experiências e vivências. Sabemos que efetivamente não há. Em grande parte das escolas falta tempo até para planejamento de aulas, sequências de atividades e projetos”, pontua.

E a autora Paty Fonte continua evidenciando sua visão, afirmando que a consequência mais grave é que, mesmo sem formação, planejamento ou vivências, as habilidades socioemocionais se manifestam em todos os contextos da vida, especialmente na escola, um ambiente tão diverso. “Querendo ou não, essas habilidades são desenvolvidas e potencializadas, pois estão intrinsecamente ligadas ao relacionamento. A questão é: estamos permitindo que aconteça de forma positiva? Infelizmente, na maioria das vezes, ocorre o oposto. Sem a devida formação, no ritmo mecânico do cotidiano escolar, muitas habilidades acabam sendo moldadas por medo, vergonha, egoísmo e culpa, e surgem dificuldades em buscar novas soluções para os problemas. Vejo muita repetição e pouca autoria. Muito foco no erro e pouco estímulo para aprender com ele. Muita cópia e pouca criatividade. Muita competição e pouca cooperação”, sentencia Paty Fonte, concluindo: “Sem a formação, na mecânica do cotidiano escolar, quantas habilidades são desenvolvidas gerando medo, vergonha, egoísmo, culpa, dificuldade em buscar novas resoluções para os problemas?!

 

Prática reflexiva e pesquisa educacional como incentivos na formação de professores

Segundo André Codea, a prática reflexiva e a pesquisa educacional são fundamentais na formação de professores, pois permitem que eles identifiquem áreas de melhoria e ajustem suas abordagens pedagógicas para enfrentar problemas recorrentes em sala de aula. Refletir sobre a prática é essencial para evitar a estagnação em métodos que não funcionam, e deve ser incentivado por meio de ferramentas como diários de bordo, autoavaliações e discussões em grupo. “Esse processo metacognitivo ajuda os educadores a desenvolver soluções inovadoras e eficazes”, atesta.

Na sua visão, se queremos que nossos alunos sejam curiosos e desenvolvam habilidades de pesquisa, é igualmente importante incentivar essa prática na formação docente. “Estratégias como a pesquisa-ação, que já são comuns na pesquisa científica, podem ser aplicadas em sala de aula para coletar dados e tomar decisões informadas. Para mim, isso representa a prática baseada em evidências, onde o processo de pesquisa-ação revela informações que, de outra forma, poderiam passar despercebidas, contribuindo assim para a melhoria contínua da prática pedagógica”, revela Codea

 

As metodologias de formação continuada estão capacitando satisfatoriamente os professores frente aos desafios do ensino no século XXI?

Ao responder essa questão o professor André Codea é frontal ao afirmar que ainda há muito a se fazer em termos de formação de professores, notadamente no Brasil. “Embora existam plataformas de formação continuada de sucesso, como a ofertada pela Appai, na qual eu contribuo com vários cursos, em termos nacionais ainda há muito a se fazer, notadamente nos sistemas de ensino que pretendem melhorar as práticas docentes e a aprendizagem em si”, assegura.

Isso porque, segundo Codea, não há como conceber mais este tipo de ensino continuado sem a integração com a tecnologia, sem a flexibilidade adaptativa para os vários contextos de salas de aula e sem a promoção da prática reflexiva, sob pena de não ajudarem os professores a enfrentarem os desafios contemporâneos. “Ainda há muitos docentes que relatam uma desconexão entre a teoria aprendida em muitos cursos de formação, tanto a básica quanto a continuada, e a situação real em sala de aula”.

“Pessoalmente entendo que, para superar tais desafios, os programas de formação continuada precisam ser mais contextuais e personalizados, de modo a adaptar o aprendizado às realidades específicas dos professores em sala de aula. Isso precisa ocorrer de forma contínua e colaborativa, com troca de experiências, reflexão sobre os resultados e o necessário ajuste das práticas docentes. Assim ocorrendo, estaremos mais próximos de garantir que os professores estejam verdadeiramente preparados para educar de acordo com as necessidades impostas pelo nosso tempo”, sugestiona o professor.

Fica claro que, enquanto avançamos no século XXI, a educação deve continuar a evoluir, integrando inovações tecnológicas e abordagens pedagógicas baseadas em competências e reflexões contínuas. Embora muitos desafios ainda persistam, a adaptação das práticas educacionais às necessidades contemporâneas é vital para formar professores que estejam não apenas preparados para o presente, mas também capacitados para moldar o futuro. A formação docente não pode mais ser pensada sem uma abordagem integral que contemple todos esses elementos, que vão desde o material humano valorizado em sua essência, passando pela tecnologia, pesquisa, prática reflexiva e um olhar atento às competências socioemocionais, a fim de garantir que a educação se mantenha relevante, constante, eficaz e imprescindível em um mundo em constante transformação.


Por Antônia Figueiredo

Wendel Freire é Doutor em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Consultor em Gestão do Conhecimento, em Comunicação Empresarial e em Educação e Tecnologia. Autor dos livros “Educação Midiática – Para uma democracia digital” e “Tecnologia e Educação – As mídias na prática docente”. Ambos pela Wak Editora.

André Codea é líder carioca, docente da rede pública municipal do Rio de Janeiro e professor universitário. Autor dos livros “Neurodidática: fundamentos e princípios”, “Neurociência pedagógica: ciência do cérebro aplicada à aprendizagem escolar” e “Metodologias ativas de aprendizagem: neurodidática e o chão da escola” (no prelo).

Paty Fonte – Consultora educacional, filósofa, escritora e palestrante. Autora de diversos livros, dentre eles: “Competências socioemocionais na escola” e “Práticas socioemocionais para dinamizar o ambiente escolar”, ambos publicados pela WAK Editora.


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