Vidas redesenhadas pelo empreendedorismo
Projeto Na Régua ensina jovens a traçarem seus próprios caminhos
No Ensino Médio, uma das causas da evasão escolar é a preocupação dos jovens com emprego e renda para ajudar as famílias. Assim surgiu a necessidade do projeto pedagógico Na Régua, idealizado pela professora Cleide Magesk, do Colégio Estadual Parada Angélica, município de Duque de Caxias. A educadora aproveitou a gíria “Na Régua”, que designa cabelo bem cortado, muito comum entre os jovens da periferia, para falar sobre um negócio muito presente no bairro – as barbearias.
Cleide conta que a tendência desse tipo de negócio tem criado uma nova perspectiva para os jovens de hoje. Em pesquisa, os alunos, utilizando a ferramenta Google Earth, contabilizaram um total de 43 estabelecimentos somente naquele território. Ela ressalta que a aposta em empreendedores do bairro foi fundamental para o engajamento ao trabalho, pois valoriza a relação entre a escola e a comunidade.
“Ali vi uma oportunidade de trabalhar o empreendedorismo com os alunos do 1º ano, percebi uma demanda naquela realidade. Muitos meninos falavam sobre o corte ‘na régua’, além do fascínio por querer estar com o cabelo bem cortado e com estilo diferente. As barbearias tornaram-se um ambiente em que os meninos gostam de ir e se sentem à vontade, já que ali são apresentados cortes e designs que outros lugares mais sofisticados não oferecem”, justificou.
A professora se surpreendeu com o material coletado pelos estudantes nas redes sociais. A maioria já seguia muitos influenciadores, outros barbeiros que faziam trabalhos diferentes. “Trouxeram vários materiais do YouTube e do Instagram. Levaram vários estilos de corte. Abacaxi, Pintadinho, Nevou, tinturas, e outros procedimentos”. A turma selecionou vídeos que falavam sobre as barbearias, despertando o interesse dos colegas, e levou muitas curiosidades sobre esses espaços. Descobriram, por exemplo, que na antiguidade esses profissionais também faziam pequenas cirurgias, sendo chamados de barbeiros-cirurgiões. Ao longo de cinco meses, os alunos pesquisaram, entrevistaram e criaram conteúdo para os podcasts, que tiveram dois momentos. No primeiro os estudantes levaram informações sobre as barbearias do bairro, falavam sobre seus próprios barbeiros, técnicas e tendências. No segundo, convidaram seus profissionais para participar e conversar sobre modelos de negócios.
Foi uma aula de empreendedorismo em que relataram sua trajetória profissional, os erros que cometeram, escutaram depoimentos de profissionais, desde aqueles que cortam nas calçadas ou garagens até os que atuam em estabelecimentos mais sofisticados. Os saberes gerados ao longo dessas conversas foram de extrema importância, histórias que geraram um documentário sobre a profissão. “Achei importante ter a fala dos alunos com a experiência do trajeto dos profissionais. Ninguém chegou lá romantizando a função. Foi um trabalho em grupo regido pela pesquisa. Eles aprenderam sobre as dores de cada negócio, como funciona na prática. Você precisa prestar o melhor serviço. Precisa se capacitar. Se formar e trabalhar duro”, concluiu.
O aluno Eduardo Souza achou incrível a ideia de levar uma experiência prática de fora para a escola como forma de eles conhecerem as demandas do mercado de trabalho. “Tem muitas barbearias por aqui. Foi muito bom escutar esses profissionais. Eu sempre quis aprender sobre esse assunto. Tenho um amigo que corta meu cabelo em casa e já vou passar as dicas pra ele. Estou consciente de que precisamos estudar, fazer cursos para nos tornarmos bons profissionais”, declarou.
Já Guilherme França ficou atraído pelos cortes e pelas falas dos profissionais sobre suas trajetórias e passou a valorizar muito a profissão. “A gente não dá muito valor aos barbeiros porque não tem ideia do que fazem para se tornarem profissionais. Aprendi que não é fácil e não podemos desistir dos nossos planos no meio do caminho, temos que nos dedicar muito para ter uma profissão”, afirmou.
Cleide esclarece que a proposta com formação empreendedora vai muito além da profissão de barbeiro. O projeto consegue atingir várias dimensões, como levar o jovem a pensar um projeto de vida, seja ir para uma faculdade, a busca de um emprego melhor, um empreendimento em qualquer outra área ou explorar novas possibilidades.
Negritude que inspira – Feira de empreendedorismo
Os meninos apresentaram seus trabalhos durante a culminância “Negritude que inspira”, realizada na Semana da Consciência Negra, para contemplar a Lei 10.639 e dar visibilidade às produções dos alunos com ênfase na cultura afro, o que incluiu o Na Régua, que também faz parte de uma educação antirracista, que estimula a representatividade desses jovens.
A culminância contou com a presença da porta-bandeira Selminha Sorriso, ícone dos desfiles da Beija-Flor, para falar sobre empoderamento feminino e racismo, com foco no cabelo afro. “Cada grupo e cada turma traz uma demanda. No caso das meninas senti muito a falta de autoestima e a vergonha do cabelo. Ex-moradora de comunidade, Selma compartilhou um pouco de sua história com as meninas a partir da questão do cabelo crespo, do qual ela mesma se envergonhava. E estamos falando de uma mulher inspiradora, porque vivenciou o preconceito em relação a sua origem como mulher negra e pobre”, completa a professora.
Cleide também enfatiza que a porta-bandeira, que também é sargento do Corpo de Bombeiros, investiu em estudo. A convidada quis mostrar às meninas que, apesar da juventude difícil, ela buscou as oportunidades. No encontro, ela falou sobre a Baixada Fluminense e sobre seu projeto social na tradicional escola de samba de Nilópolis com meninas, norteado também para a valorização da autoestima da mulher e das origens africanas e projetos de vida.
“Vim aqui para falar sobre a potência da mulher negra, não para sambar. Quero mostrar que, apesar de ser uma sambista, existe outro caminho que eu busquei através da educação. Estudei Direito e faço pós-graduação”, disse às alunas, que também apresentaram trabalho sobre tranças e bonecas bijus africanas. Durante o encontro, os barbeiros realizaram uma ação social em que cortaram os cabelos dos alunos, fizeram contatos e também assistiram a uma palestra com um profissional que falou sobre a sua trajetória.
O diretor-adjunto do colégio, Alexsandro Siqueira, acredita que o projeto ofereceu aos alunos uma visão inédita sobre uma realidade já vivenciada por eles. “Puderam, dessa maneira, conhecer a história, a cultura e a capacidade econômica de algo que está atrelado diretamente à sua vida, sendo capazes de enxergar em cada fala um pouco da sua localidade e de como podem se apropriar do conhecimento para explorar novas possibilidades”.
Segundo Cleide, os objetivos foram alcançados e a proposta acabou envolvendo outras turmas. “As atividades levaram para o espaço escolar a discussão sobre empregabilidade e oportunidade de emprego e renda, e outras turmas que ficaram muito curiosas puderam também conhecer e participar do programa. Ensinei apenas como pesquisar e usar as ferramentas, e a partir daí o conteúdo veio todo deles, uma experiência que não vem apenas de cima pra baixo. Os jovens foram o centro do projeto e compreenderam a importância da formação para a construção de uma vida melhor e na luta pelos seus direitos”, garantiu a professora.
Por Claudia Sanches
Colégio Estadual Parada Angélica
Rua Fernando César Antunes Figueiredo, 8 – Parada Angélica – Duque de Caxias/RJ
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Tel.: (21) 2787-1624
Professora: Cleide Magesk
Disciplina: Projeto de Pesquisa e Empreendedorismo