A realidade do TDAH

Priscila Romero


O Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade está classificado pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), da Associação Americana de Psiquiatria (2014), como um Transtorno do Neurodesenvolvimento. Tem como principais características: desatenção, hiperatividade e impulsividade.

Dentro das instituições escolares, ouvimos muito falar em crianças agitadas e sem limites, que, equivocadamente, acabam recebendo o “rótulo” de hiperativas, fazendo referência ao transtorno. Nos últimos anos, parece haver uma “epidemia” de TDAH.

Por isso, aproveito o espaço para comentar que nem todas as crianças mais agitadas ou desatentas possuem o transtorno. Esses indivíduos podem estar sofrendo com outros problemas (como perda de um ente querido, separação dos pais, falta de atenção de algum de seus responsáveis, ausência de papéis parentais, mudança de casa ou de escola, inadequação à metodologia utilizada pela escola, pedagogia extremamente tradicional, recebimento de conteúdos inadequados ao seu potencial de desenvolvimento real) e apresentar algumas características parecidas em uma determinada época de suas vidas, dentro das instituições escolares principalmente.

É importante salientar que, para ser caracterizado como TDAH, é preciso que o indivíduo apresente os sintomas há mais de seis meses ininterruptos e em diversos ambientes, como casa, escola, trabalho. Também devemos ressaltar que, se algumas questões se apresentam depois de 12 anos de idade, não se trata de TDAH, visto que este começa a se manifestar desde a primeira infância, sendo mais notável quando a criança inicia a escolarização. Além disso, indivíduos com TDAH apresentam inteligência de mediana a superior.

Alguns sinais neurológicos leves, como atrasos motores brandos, podem ocorrer ao indivíduo com o mesmo transtorno. Déficits na linguagem expressiva, na coordenação motora ampla e fina, na solução de problemas e habilidades quanto às organizações também podem ser encontrados.

Dificuldades em se concentrar em um assunto específico, em organizar seu material e seu tempo, em seguir instruções complexas, além da fácil distração e dos esquecimentos são particularidades da desatenção. Não permanecer sentado, parado ou calado quando preciso, dedicar-se a mais de uma atividade e não as terminar ou executá-las sem qualidade, apresentar agitação motora, fala em demasia e em volume alto constituem a hiperatividade.

Responder a perguntas antes que elas sejam completadas e se intrometer em assuntos paralelos caracterizam a impulsividade. Todos são sintomas que refletem no processo ensino-aprendizagem, prejudicando não só a apreensão e o domínio do conhecimento como, também, o relacionamento com seus pares. Indivíduos com TDAH são crianças, jovens ou adultos que sofrem ao serem frustrados, “sonham” acordados, trocam diversas vezes de atividades e possuem dificuldades significativas quanto à organização de seus pertences, afazeres e de seu tempo.

Lembramos que esse transtorno afeta cerca de 5% da população em idade escolar e 2,5% em idade adulta. Cerca de até 80% desses indivíduos sofrem com problemas de aprendizagem durante sua vida acadêmica. Sendo repetência e evasão escolar acontecimentos frequentes. Após os transtornos visuais, o TDAH é o fator mais prejudicial à escolarização de crianças e adolescentes. O acometimento do transtorno existe na proporção de 2 meninos para 1 menina, na infância, e 1,6 homem para 1 mulher, quando adultos. Já afirmamos que a genética é apontada como maior probabilidade do transtorno e devemos chamar atenção para pesquisas que apontam haver maior ocorrência de TDAH entre parentes (biológicos) de primeiro grau e entre gêmeos monozigóticos.

Interessante afirmar que o primeiro estudo divulgado sobre TDAH data de 1798, pelo médico escocês Alexander Crichton, analisando características de desatenção em algumas crianças. Ele observava doenças mentais quando percebeu que algumas crianças apresentavam o sintoma da desatenção de forma significativa, o que chamou de “desatenção patológica”.

Em 1902, o pediatra inglês George Still foi um dos primeiros especialistas a realizar conferências sobre o mesmo transtorno, intituladas como Algumas Condições Psíquicas Anormais em Crianças. Still comentava se tratar de uma condição resultante de um “defeito da função inibitória da vontade” – sendo somente a punição um “tratamento” ineficaz à repetição de tais comportamentos – havendo agressividade e desafio comumente associados, desatenção, hiperatividade, com o intelecto preservado.

A hiperatividade mental é pouco comentada dentre os estudiosos do transtorno. No entanto, trata-se de uma frequente agitação mental que ocasiona abstrações variadas, pensamentos rápidos, concorrendo à impulsividade e à mudança de assuntos sem mesmos terem sido findados. Essa agitação cerebral, muitas vezes, causa o cansaço mental, a exaustão, uma grande fadiga, o que para muitos pode ser visto e entendido como pura preguiça. Consequentemente, ocorre a insônia dentre outras mais situações não desejadas.

Depressão, Síndrome do Pânico, Transtorno de Ansiedade Generalizada, Transtorno de Conduta podem ocorrer simultaneamente ao TDAH – identificados como comorbidades. O Transtorno de Oposição Desafiante prevalece em metade das crianças com o subtipo combinado, enquanto que, com subtipo predominantemente desatenta, cerca de 1/4. Transtorno da Personalidade Antissocial, Obsessivo Compulsivo, de Tique e de Espectro Autístico também são comórbidos ao TDAH. Graef e Vaz afirmam que até 65% dos casos estão associados a outros distúrbios.

Indivíduos com TDAH, não tratados, podem apresentar grande sofrimento devido à baixa autoestima que desenvolvem ao longo de sua jornada acadêmica, profissional e relacional. O nível de escolaridade cai e transtornos de conduta podem ser adquiridos, dificultando ainda mais a vida de quem tem o possui. Relacionamentos instáveis e de curta duração “acompanham” os adultos. E acidentes, brigas, discussões, delitos tornam-se mais comuns para essas pessoas que não se trataram na infância ou na juventude.

A medicação pode ser um grande aliado na luta contra os sintomas indesejados do TDAH. No entanto, é de grande relevância que a criança ou adolescente seja acompanhado por terapias que o façam refletir sobre seu comportamento, melhorando dia a dia seu entendimento sobre si mesmo e suas ações. Os esportes também são excelentes, principalmente, para as crianças. Natação, futebol, judô, dentre outros, permitem gastar a energia excessiva e ajudam a melhorar a socialização, visto que exigem disciplina dos participantes. Além disso, trabalham regras que devem ser compreendidas e obedecidas.

Pouco a pouco percebemos que o Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade supera a descrença dos leigos, provando se tratar de um processamento cerebral diferenciado que afeta crianças, adolescentes e adultos, de forma significativa. Infelizmente, por muitas vezes, incapacitante. Enfim, uma realidade que precisa ser estudada, discutida e normatizada para ajudarmos quem tem essa condição a alcançar méritos com dignidade e igualdade de oportunidades.


* Priscila Romero é especialista em Orientação Educacional e Pedagógica, Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, Educação Especial com Ênfase em Autismo, Docência no Ensino Superior e Psicopedagogia. Autora do livro “O Aluno TDAH” (WAK Editora).


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