O professor como negociador de sentidos

Júlio Furtado


A aprendizagem significativa caracteriza-se pela interação cognitiva entre conhecimentos novos e conhecimentos prévios. Para que aprendamos um novo conceito ou uma nova ideia, precisamos fazer uma correlação entre o novo e o que já sabemos. É um processo interativo, logo, ambos os conhecimentos, novos e prévios, se modificam: os novos adquirem significados e os prévios ficam mais elaborados, mais ricos em significados, mais estáveis cognitivamente e mais capazes de facilitar a aprendizagem significativa de outros conhecimentos. Tomemos como exemplo o conceito de calor em Física. No senso comum, ele está associado às sensações diante de temperaturas altas, ao contrário de frio. Mas essa ciência considera o calor como sendo a energia que passa de um corpo para outro ou de um sistema para outro, uma transferência associada ao movimento de átomos, moléculas e outras partículas. Após essa aprendizagem, calor torna-se uma ideia mais inclusiva, ou seja, passa a ter mais condições de favorecer novas aprendizagens ligadas ao conceito.

Ao desenvolver, por exemplo, o conceito de “sujeito”, em Língua Portuguesa, o aluno irá relacioná-lo ao conceito de “pessoa” que ele já possui (ser humano, a princípio do sexo masculino, por exemplo) e essa relação irá facilitar a construção do novo conceito. Nesse caso, o educando adquire um novo conceito e o conceito prévio é ampliado.

O conceito prévio pode facilitar a construção de um novo conceito, mas pode, também, dificultar esse processo. No caso citado, o aluno pode ter dificuldades para entender que o sujeito de uma frase não é necessariamente uma pessoa. Outra situação semelhante se passa quando da aprendizagem de soma de números negativos. O aluno precisa transformar seu conceito prévio de soma, que é ligado ao aumento de quantidades, e ampliá-lo para situações em que o resultado é a diminuição do valor negativo.

Esses exemplos ilustram a existência de sentidos cotidianos (que geralmente são trazidos pelos alunos) e significados científicos (que são apresentados pelo professor). É nesse contexto que o docente precisa se apropriar da importância de ser um bom negociador de sentidos, de forma a facilitar a construção de novos conceitos, aceitos cientificamente. Estamos falando da necessidade de uma relação dialógica na qual o professor possa identificar a natureza dos sentidos e articular as devidas mudanças para que o significado científico fique claro.

É preciso que façamos uma diferenciação entre significado e sentido. O sentido é a soma dos eventos psicológicos que a palavra evoca na consciência. É um todo fluido e dinâmico, com zonas de estabilidade variável, uma das quais, a mais estável e precisa, é o significado, que é uma construção social, de origem convencional (ou sócio-histórica) e de natureza relativamente estável. O sentido é formado de maneira rápida, a partir de correlações diretas que o aluno faz entre o novo e o prévio. É, porém, revestido de subjetividade e necessita ser depurado para que se converta em um significado socialmente aceito e cientificamente comprovado. Pode ser que o educando forme um sentido de sujeito que somente se aplique a situações em que ele identifique o agente da ação caso seja uma pessoa (influência do conceito prévio de sujeito que ele já traz). Nesse caso ele terá dificuldade em entender quando analisar frases em que o sujeito é um objeto, fato ou sentimento. Em Geografia, é comum o aluno ter dificuldade de compreender o significado de altitude (distância entre o nível do mar e o ponto mais alto) por interferência da ideia de altura (distância entre o ponto mais baixo e o ponto mais alto). É fundamental que o professor tenha consciência dessas “interferências” para que ele possa estabelecer uma efetiva negociação.

Em geral, a negociação de que trata o título começa, na verdade, como uma negociação de sentidos para que se construa um significado cientificamente aceito. Negociar sentidos exige que nos coloquemos numa atitude de abertura para identificar os elementos que compõem o sentido que o aluno construiu. Ao perceber, por exemplo, que ele tem dificuldade de compreender o conceito de sujeito de uma frase, questioná-lo com o objetivo de descobrir as particularidades do sentido de sujeito que ele construiu e que estão dificultando a construção do significado. Esse questionamento deve ser feito de forma cuidadosamente específica através de perguntas como “O que faz com que você não encontre o sujeito nessa frase?”; “Dê exemplo de frase em que você consegue encontrar facilmente o sujeito.”; “Qual a diferença entre as duas?”. Através dessas respostas, o professor poderá entender que a dificuldade reside no fato de o aluno não conceber que o sujeito pode ser um objeto, um fato, um sentimento ou qualquer agente do verbo. No sentido que o aluno construiu (muito análogo ao conceito de pessoa) é impossível identificar sujeitos que não são pessoas. É nesse momento que o professor entenderá a necessidade de apresentar o conceito de agente do verbo.

A proporção de objetividade contida no processo de aprendizagem de um conceito ou ideia é muito menor do que geralmente nós professores imaginamos. Isso ocorre tanto em função da subjetividade do processo de comunicação como da contextualidade dos conceitos subsunçores já aprendidos. Essa negociação exige extrema atenção por parte do educador, que é o agente desencadeador de relações facilitadoras. Guiados pelas práticas docentes das quais foram objeto, os professores costumam minimizar o processo de negociação de sentidos, acreditando que basta uma boa e clara explicação para que os alunos compreendam os novos conceitos. Os conceitos prévios, assim como os sentidos que o aluno forma num primeiro momento, interferem de forma decisiva na compreensão do novo conteúdo.

Alguns comportamentos docentes facilitam essa postura e colaboram para garantir uma aprendizagem significativa. Vejamos alguns deles.

Procurar novas formas de desafiar os alunos é o principal papel dos professores no processo de negociação de sentidos. Significa desafiar os conceitos já aprendidos para que eles se reconstruam mais ampliados e consistentes, tornando-se assim mais inclusivos com relação a novos conceitos. Quanto mais elaborado e enriquecido é um conceito, maior possibilidade ele tem de servir de parâmetro para a construção de novos conceitos. Isso significa dizer que, quanto mais sabemos, mais temos condições de aprender.

Perseguir uma aprendizagem profunda é outra atitude essencial. Segundo o educador espanhol César Coll, é indispensável para que haja uma negociação de sentidos a fim de que os alunos se predisponham a aprender significativamente. Vem daí a necessidade de “despertarmos a sede”. Em relação à motivação para a aprendizagem, é necessário compreendermos a maneira como alunos encaram a tarefa de estudar, que pode ser dividida em dois enfoques: o enfoque profundo e o enfoque superficial. No profundo, o aluno se interessa por compreender o significado do que estuda e relaciona os conteúdos aos conhecimentos prévios e experiências. Já no enfoque superficial, a intenção do estudante se limita a realizar as tarefas de forma satisfatória, limitando-se ao que o professor considera como certo ou relevante, uma resposta desejável e não a real compreensão do conteúdo. Importante ressaltar que o enfoque com que o aluno aborda a tarefa pode variar. O enfoque profundo pode ser aplicado a uma mesma tarefa em alguns momentos e, em outros, a abordagem superficial pode prevalecer. A inclinação dos alunos para um enfoque ou outro vai depender, entre outros fatores, da situação de ensino da qual esse aluno participa. Entretanto, a abordagem profunda pode ser trabalhada nos alunos de maneira intencional. Para isso, é preciso conhecer as características da tarefa trabalhada, o que se pretende com determinado conteúdo e a sua necessidade. Tudo isso demanda tempo, esforço e envolvimento pessoal.

A aprendizagem superficial ocorre quando a intenção se limita a preencher os requisitos da tarefa; assim, mais importante do que a compreensão do conteúdo é prever o tipo de pergunta que possa ser formulada sobre ele, aquilo que o professor julgará importante. O foco é transferido da importância real do conteúdo para as exigências que serão feitas sobre ele. A aprendizagem superficial acontece, então, quando há a intenção principal de cumprir os requisitos da tarefa. Como consequência, ocorre a memorização de informações necessárias para testes e provas. A tarefa é encarada como imposição externa e, por isso, não desperta envolvimento profundo por parte do aluno.

Outra atitude que beneficia a negociação de sentidos é elevar a autoestima do aluno. Partir daquilo que ele já sabe, reforçá-lo e valorizá-lo é fazê-lo sentir-se parte do processo de aprendizagem e, paralelamente, elevar sua autoestima. Outras atitudes que também elevam a autoestima do aluno são propor desafios ao seu alcance, monitorar a distância entre a linguagem utilizada na aula e a sua linguagem natural, oferecer as ajudas necessárias diante das dificuldades e implementar o hábito de reconhecimento de pequenos sucessos progressivos.

Por fim, promova a interação entre os alunos. A troca de percepções entre eles estimula a ampliação de ideias, a testagem de hipóteses pessoais e, consequentemente, a negociação de sentidos e significados. Essa interação deve se concretizar em sala de aula através do estímulo para que os estudantes troquem ideias e opiniões. Essas trocas devem ser breves e em pequenos grupos (três pessoas é o ideal) para se evitar a dispersão e a perda de foco. No momento em que um aluno ouve a opinião do colega e reflete sobre o que ele diz, ele tem a oportunidade de ratificar ou retificar sua opinião, através de uma síntese dialética, necessária a todo conhecimento consistente.


*Júlio Furtado é consultor educacional, palestrante, Doutor em Ciências da Educação e Mestre em Educação.


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