Inteligência artificial na educação e os desafios do aprendizado superficial

Muitas informações disponíveis e pouco tempo para realizar tantas tarefas. Como conciliar tanta coisa ao mesmo tempo? E como fica a saúde mental do educador?


Cada dia surge uma novidade no campo tecnológico, educacional ou comportamental. Os professores, assim como outras profissões, precisam estar em constante aprendizado e bem atualizados nesse mar de informação disponível na internet. Mas até que ponto é possível acompanhar essas mudanças constantes? Como priorizar o que é urgente e dar conta das outras milhões de tarefas do cotidiano? E como fica a saúde mental do educador no meio disso tudo? Para responder essas e outras questões conversamos com diversos especialistas e ouvimos professores para tentar chegar em uma possível solução ou na melhor maneira de equilibrar todos esses pontos. Confira! 

A doutora em psicologia social e professora da UFRRJ Luciene Alves Miguez Naiff acredita que as novas tecnologias e mudanças em geral na sociedade podem ser muito bem-vindas e facilitar a vida do educador e dos alunos. “Pensemos nos tempos em que não conseguíamos fazer uma pesquisa se não houvesse uma boa biblioteca por perto. Ou quando precisávamos de uma enciclopédia para saber mais sobre determinados assuntos. Eram outros tempos, que tinham o seu lado bom, pois havia o estímulo à leitura, o acesso a livros etc. Por outro lado, eram excludentes. Uma parcela imensa da população simplesmente não tinha acesso a bibliotecas ou enciclopédias”, explica.  

A especialista exemplifica também que o professor, por sua vez, tinha que colocar toda a matéria nos quadros, utilizando giz, e os conhecimentos nas áreas da pedagogia e da psicologia também eram excludentes, como testes de inteligência, turmas separadas por grau de aprendizado e crianças com deficiência fora da escola. “Confesso que gosto das novidades que nos ajudam a ser melhores como professores e que tragam mais conhecimento e acessibilidade aos alunos. Mas temos que ponderar que a rapidez e a instantaneidade das informações estão sobrecarregando cognitivamente a todos nós. O grande mal da atualidade é a ansiedade. Precisamos, enquanto sociedade, mediar melhor essa relação”, afirma Luciene.  

A doutora em ciências sociais e professora adjunta de Sociologia da Universidade Federal de Alfenas, Sara Esther Dias Zarucki Tabac, também ressalta uma questão importante em relação ao uso de plataformas de aprendizagem on-line. “Todo mundo teve que aprender a utilizar o ensino remoto para oferecer aos nossos alunos um conteúdo durante a pandemia. Sabemos que houve a resistência de vários colegas com as mudanças e que muitos aproveitaram a oportunidade para se aposentar. Quem encarou o desafio percebeu que conseguiu aprender bastante sobre o assunto, e hoje enfrentamos melhor esse ciclo tecnológico”, lembra.  

De acordo com Sara, é importante dizer que não precisamos passar nosso tempo procurando diariamente essas informações, já que, mais do que quantidade, temos que buscar a qualidade das informações. Veja em seu dia a dia como docente, coordenador ou diretor o que a sua experiência está te demandando. Aprender uma nova tecnologia? Lidar com algumas mudanças comportamentais dos novos alunos? Enfrente esses desafios como essenciais da profissão. Você se transforma em um educador melhor e consegue se colocar com mais segurança diante dos desafios diários postos pela profissão”, aconselha.  

 

Como filtrar esse mar de informações e ainda ter tempo para desempenhar as funções básicas na escola e fora dela?

Para Luciene Alves, o professor – como vários outros trabalhadores – hoje está sobrecarregado. “O sofrimento psíquico na classe docente no Brasil é imenso, e a síndrome de Burnout, um distúrbio emocional, é muito presente, atingindo um em cada três profissionais. Não é somente a sobrecarga cognitiva, há também baixos salários, excesso de trabalho e violência nas escolas. Mas percebemos que a fluidez de informações e as narrativas vêm sendo um elemento a mais nesse quadro”, pontua a especialista.  

O professor precisa ser cuidado também! Fala-se muito da importância da psicologia para os discentes, mas esquecemos que os docentes também precisam estar bem. “É importante a professora e o professor conseguirem dispor de tempo de qualidade para não pensar somente na escola. Nos acostumamos a ver o educador como alguém que trabalha por amor, por vocação. Não. É uma profissão, tem que ter hora de começar e acabar. Não significa que não posso amar o que faço, mas é necessário ser valorizado como um profissional de importância essencial”, afirma Luciene.  

Já Sara ressalta que é preciso saber diferenciar onde se encontra entretenimento e onde se adquire conhecimento. As redes sociais são ótimas pra gente se divertir com vídeos, memes e conversas com amigos. “Quando você quiser pesquisar sobre uma aula, utilize espaços mais formais. Cito o Google Acadêmico, por exemplo. Tem inúmeros artigos com referências que podem ser lidos e baixados. Outra sugestão são as associações de pesquisa, um espaço registrado e legal. Sugiro, no campo da educação, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, uma entidade sem fins lucrativos que congrega programas de pós-graduação stricto sensu em educação, professores e estudantes vinculados a estes programas e demais pesquisadores da área”, destaca. 

 

Problemas enfrentados no dia a dia: onde buscar amparo mental?

Muito se fala em aprimoramento e constante formação, mas como e onde o professor pode ter um amparo mental mediante tantos problemas enfrentados no dia a dia? Para a doutora em psicologia social Luciene, o ideal é sempre que possível buscar atividades de relaxamento e diversão. “E, do ponto de vista da política pública para a educação, pressionando como categoria por um maior cuidado com a sua saúde mental. O professor da rede pública deve ter acesso a profissionais especializados que conheçam os seus problemas relacionados à prática. No curso de psicologia, quando falamos de escola, sempre nos referimos aos alunos e alunas, a bullying, a transtornos diversos que eles podem ter. E nem sempre focamos nesse importante personagem dessa instituição”, destaca. 

Sara cita a Appai nessa questão. “Vejo sempre no site a área de educação continuada presencial e a distância. Com a amplitude da Associação no Rio de Janeiro e a qualidade dos profissionais considero essencial que os membros aproveitem para se manter atualizados. Para um aprofundamento maior sobre o assunto, sugiro os cursos de pós-graduação em universidades reconhecidas pelo MEC, além dos de extensão, que também são uma excelente alternativa”, destaca.  

 

Como equilibrar vida pessoal, profissional e ainda conseguir tempo para se aprimorar?

Para Luciene a melhor maneira de equilibrar tudo isso é organizando a nossa vida, mesmo sendo algo cada vez mais complexo. “Tão difícil que nem agenda temos mais. Muitos usam aparelhos com inteligência artificial como apoio. Isso é definitivamente sobrecarga cognitiva, faz com que façamos tudo mais ou menos. Não conseguimos tempo para aprimorar nada. Por isso é importante aprender a dizer não. Aprender a estar presente em cada coisa que estiver fazendo, a não sofrer tanto com a procrastinação quando ela estiver sendo feita em nome de um prazer, de um descanso, ou de um ócio”, explica. Para ela, os professores são muito importantes, mas não são apenas professores. O humano por trás desse profissional imprescindível é alguém de carne e osso. Sofre e se cansa. Precisamos cuidar do educador! 

Já para a doutora em ciências sociais, essa é uma questão muito importante! “Principalmente para nós, professores. Sabemos que o nosso trabalho não se inicia nem se encerra na classe. Temos que preparar aula, participar de reuniões, corrigir provas e muitos outros afazeres. Minha dica é: se planeje. Eu uso uma agenda de papel até hoje! Anoto tudo. Fiz e recomendo cursos sobre planejamento financeiro e pessoal. Aprenda a valorizar o seu final de semana com a família e saber os momentos em que é necessário se dedicar mais ao trabalho”, destaca Sara. 

 

E como fica a usabilidade do aluno?

Em meio a tantos fatores a serem considerados, como a saúde mental dos professores, não podemos nos distanciar do protagonista dessa história, o aluno. E como a inteligência artificial pode ser aplicada para melhorar a sua usabilidade e a experiência de aprendizado, especialmente quando enfrenta desafios na compreensão dos conteúdos? De acordo com Renata Chiossi, coordenadora do Núcleo Pedagógico de Inovação e Tecnologias Educacionais, da Subsecretaria de Gestão de Ensino, primeiramente por ser uma área muito recente, ainda não é possível mensurar o impacto positivo do seu uso no processo de ensino-aprendizagem. Entretanto, segundo ela, já se tem conhecimento de muitas práticas pedagógicas com o uso da Inteligência Artificial que motivaram e tiveram um papel importante no desenvolvimento de competências e habilidades curriculares nas nossas escolas da rede estadual de ensino.
 

“Uma das vantagens que já vislumbramos é o fato de a inteligência artificial oferecer a possibilidade de personalizar o aprendizado, favorecer buscas mais eficazes, correção de textos e criação de conteúdos digitais. Entretanto, os limites de seu uso também precisam ser analisados com cautela, pois podem favorecer a famosa ‘cola’, que faz com que os estudantes não desenvolvam o senso crítico e recorram a tais recursos em sua trajetória acadêmica”, alerta Chiossi. 

 

 

Escola proíbe o uso do ChatGPT

As preocupações em relação ao uso das novas tecnologias em sala de aula pelos alunos estão presentes dentro e fora do Brasil. Um exemplo dessa preocupação foi o fato de as escolas em Nova Iorque terem proibido, em janeiro de 2023, o uso do ChatGPT, com o argumento de que ele encoraja os alunos a plagiar, sem desenvolver as principais habilidades de pensamento crítico e resolução de problemas, peças-chave para o desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes. “Fato esse”, pontua Renata Chiossi, “que é um caminho sem volta e que precisa ser trabalhado em nossas escolas, de forma crítica e responsável”.  

Para Chiossi, em meio a um mundo cada vez mais tecnológico, a inteligência artificial desempenha um papel fundamental na melhoria da qualidade da educação. “São numerosas as formas pelas quais ela pode contribuir para o planejamento de estratégias pedagógicas, o que pode trazer benefícios para uma aprendizagem significativa. Dentre as possibilidades, temos a otimização das pesquisas, a personalização do ensino, a possibilidade de programar chatbots para atendimentos personalizados aos alunos, identificação de dificuldades e potencialidades nos aprendizados dos estudantes”, argumenta a coordenadora do Núcleo Pedagógico de Inovação e Tecnologias Educacionais, da Subsecretaria de Gestão de Ensino. Mas em meio a todo esse cenário multifacetado de possibilidades, professores e gestores são unânimes em frisar que é importante reforçar que tais recursos não substituem o papel primordial e basilar dos docentes, mas permitem que eles atendam melhor as necessidades dos seus alunos.  

 

Usabilidade correta da inteligência artificial por parte dos alunos? É possível?

Entretanto quais são as principais oportunidades para promover a usabilidade correta da inteligência artificial na educação, a fim de prevenir possíveis prejuízos na aprendizagem dos alunos? De acordo com Renata Chiossi, para se promover um uso positivo dessas ferramentas, é necessário que os educadores desenvolvam, junto com os estudantes, habilidades e competências relacionadas ao letramento digital. “A fim de que os discentes possam acessar, interagir e compreender de forma crítica a leitura dos diversos tipos de mídia que estão disponíveis a um simples toque ou clique para todos, mas que, se não forem bem utilizados e direcionados, não terão um significado pedagógico. É o que vemos quando nos deparamos com estudantes que são ótimos tiktokers, por exemplo, mas não conseguem acessar um e-mail”, sentencia Renata. “Observe-se que, nesse cenário formado por recursos digitais, o papel do professor ganha uma nova responsabilidade de estar minimamente atualizado para seguir junto com suas turmas, uma vez que diariamente novas funcionalidades tecnológicas são apresentadas ao meio acadêmico e demais áreas do conhecimento”, destaca.  

 

Capacitação: um movimento infinito

Em relação ao ensino, questionada de que forma os educadores podem ser capacitados e apoiados no uso eficaz da inteligência artificial para personalizar o ensino e atender às necessidades individuais dos alunos, Chiossi ressalta que o primeiro passo é que os professores e estudantes visualizem a utilidade e a relevância de entender a inteligência artificial e conhecer suas aplicabilidades. “A partir disso, é crucial desenvolver competências críticas e analíticas em relação ao uso das tecnologias digitais, especificamente com a inteligência artificial. Os professores podem ser formados em serviço para usar essas ferramentas por meio de workshops práticos hands-on (mão na massa) com trocas de experiências entre educadores, pesquisar sobre os usos na educação, cursos de formação em tecnologias voltadas para o fazer pedagógico e assessoramento por meio da colaboração entre pares”, adverte Renata.  

Mas essa equação não é tão simples de resolver. É preciso também que as universidades, na preparação dos docentes para a regência, façam seu papel, trabalhando tais habilidades e competências na formação dos professores, para que atuem em consonância com as demandas do século XXI. É imperativo que essas instituições tenham essa consciência por uma formação de docentes alinhada às demandas do nosso tempo e assumam a responsabilidade de criar ambientes de aprendizagem que promovam a interconexão entre teoria e prática. Isso implica oferecer oportunidades práticas e estágios que permitam aos futuros educadores aplicar em contextos reais os conceitos aprendidos.  

Além disso, a promoção da reflexão crítica sobre as experiências vivenciadas durante a formação inicial é fundamental. Ao integrar teoria, prática e reflexão, as universidades capacitam os professores a enfrentarem os desafios complexos das salas de aula contemporâneas, incentivando a adaptação contínua e a inovação pedagógica. Essa abordagem holística não apenas fortalece a base profissional dos docentes, mas também os prepara para serem agentes transformadores na construção de um ambiente educacional mais inclusivo, dinâmico e alinhado com as exigências da sociedade atual. 

 

Como alinhar a inteligência artificial na educação com os objetivos pedagógicos?

Quais são as estratégias e soluções mais eficazes para garantir que a implementação da inteligência artificial na educação seja bem estruturada e alinhada com os objetivos pedagógicos? Essa é uma pergunta de muitas respostas, mas com um viés de execução ainda bem complexo, realça Chiossi pontuando que algumas oportunidades já identificadas abrangem a incorporação desses recursos no ensino presencial, remoto e híbrido, como meio para despertar o prazer e a curiosidade dos alunos. “Contudo, o ideal é começar com uma implementação gradual, com diálogo entre os pares para que seja de fato utilizada e adaptada aos diversos contextos escolares. Essa estratégia demanda uma reflexão constante sobre os processos, assemelhando-se ao cuidado que dedicamos ao inserir qualquer tecnologia em nossa práxis, seja ela digital ou analógica, com erros e acertos ao longo do percurso”, assegura. 

 

Fortalecendo a colaboração entre todos os atores

Não existe uma receita pronta para aquilo que ainda se mostra tão novo para a comunidade escolar, todavia é salutar pensar como a inteligência artificial pode ser uma ferramenta para fortalecer a colaboração entre professores, alunos e especialistas, melhorando o processo educacional e superando desafios. Segundo Renata Chiossi, ela tem o potencial de fortalecer a colaboração no ambiente educacional ao facilitar, “por exemplo, a eficiente troca de informações, aliada aos insights personalizados sobre o progresso do aluno, que ela pode proporcionar, além de auxiliar os professores na elaboração de planos de aula, atividades e avaliações, oferecer suporte na resolução de dúvidas e contribuir para o desenvolvimento de projetos pedagógicos envolvendo alunos e educadores”, destaca enfatizando que, embora o uso adequado da inteligência artificial no processo de ensino-aprendizagem seja um tema complexo e controverso, é inegável que se trata de um fenômeno irreversível.  

 

Inteligência artificial, uma revolução em todas as áreas do conhecimento

É| incontestável que a presença das novas tecnologias não se limita apenas à educação, mas se estende a diversos aspectos da vida em sociedade. Portanto, é contundente que, como educadores, nossos docentes estejam preparados para fornecer ferramentas aos alunos e, sobretudo, se mostrem abertos a aprender com esses nativos, a fim de aproveitar todos esses recursos de maneira crítica, criativa e responsável. Até porque a integração da inteligência artificial em nossa rotina já é uma realidade, desde as smart TVs presentes em nossas casas até os avanços notáveis nas áreas de Machine Learning e Deep Learning, inovações que estão promovendo uma mudança de paradigma em praticamente todos os setores sociais.  

“Refletir sobre o trabalho pedagógico sem abordar temas relacionados à inteligência artificial com nossos estudantes, presentes em todas as áreas do conhecimento, é contribuir para a promoção e a perpetuação da exclusão digital. Portanto, é essencial que, como educadores, estejamos conscientes e engajados na preparação dos alunos para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades que essa nova era apresenta, assegurando assim meios para que a inclusão digital seja uma realidade de todos”, garante Renata Chiossi, coordenadora do Núcleo Pedagógico de Inovação e Tecnologias Educacionais, da Subsecretaria de Gestão de Ensino.  


Por Antônia Figueiredo e Jéssica Almeida

Luciene Alves Miguez Naiff é professora doutora em psicologia social pela Uerj, professora da UFRRJ e orientadora de mestrado e doutorado em psicologia social do PPGPSI/UFRRJ. Trabalha com a teoria das representações sociais, memória social e identidade social com temas sobre racismo, sexismo e exclusão social. Contato: lunaiff@hotmail.com.

Sara Esther Dias Zarucki Tabac é doutora em ciências sociais pela Uerj e professora adjunta de sociologia da Universidade Federal de Alfenas. Contato: sara.tabac@unifal-mg.edu.br.

Renata Reis Chiossi é doutoranda em Educação pela PUC-Rio, mestre em Educação Básica, pós-graduada em ensino de História pelo Colégio Pedro II e graduada pela UFF. Também é professora de História da Rede Estadual de Ensino do Rio de Janeiro. Contato: renata.chiossi@prof.educacao.rj.gov.br.


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