Reflexão de volta às aulas


Apesar de ser um mês que logo traz a lembrança do carnaval, fevereiro já há alguns anos passou a ser sinônimo do tradicional corre-corre, que marca a vida de professores, pais e alunos na volta às aulas. E isso fica ainda mais doloroso se lembrarmos que de alguns anos pra cá as férias praticamente se resumem à segunda metade de dezembro e o mês de janeiro – normalmente o tempo referente às férias de verão –, que agora dão a impressão de passar voando, deixando professores e estudantes com aquela cara de “quero mais”.

A causa dessa não muito agradável mudança está na Lei 9.394/96, que converteu o ano escolar de 180 para 200 dias letivos. Segundo estudiosos da educação, justificativas teóricas colocam a mudança no rol das mais benéficas já feitas na área. Um parecer da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, de 1997, classifica o aumento dos dias letivos como uma boa novidade e um avanço para o Brasil.

Mesmo apoiando os especialistas em educação que defendem esse aumento de dias, não se pode negar que, na prática, o que se percebe nas instituições de ensino de um modo geral é uma legião de alunos e professores cansados, com pouca motivação e que veem nas férias um momento muito necessário pra repor as forças.

Talvez seja um bom momento para lembrar do tempo em que ser criança era ter tempo para brincar, para estar livre do excesso de compromissos da educação formal, ou seja, a escola em si e todos os cursos e atividades complementares que ocupam a semana dos jovens e adolescentes. Muitos não conseguem vivenciar a infância no que há de mais essencial nesta fase, e o resultado é que vários acabam sendo levados a pular etapas: se tornam adolescentes e adultos antes do tempo.

Ainda se acrescenta a isso o fato de que os estudantes de hoje precisam de outros itens em sua formação, como computação, línguas, cidadania etc. Coisas que se destinam a deixá-los mais preparados para o competitivo mundo adulto. Apesar de entender que essa é uma tendência do nosso tempo, não podemos desprezar o risco da criança se tornar um adulto excessivamente competitivo, calculista, egoísta, ansioso…

Boa parte dos adultos se lembra bem do tempo dos 180 dias letivos, das férias mais longas e do maior tempo livre, para aproveitar os últimos momentos de nossas vidas em que estávamos protegidos das grandes causas de estresse. Hoje, pelo contrário, estamos diante de um quadro no qual as crianças cada vez mais aparecem em consultórios médicos com problemas como depressão e transtornos variados.

Uma possível chave para pensar essa questão tem a ver com a escola integral, uma realidade já bastante presente em algumas regiões do país, mas não de forma abrangente, como seria desejável. Nesse sistema a criança ou o adolescente faz seu curso regular em um turno e no outro participa de atividades artísticas e esportivas, muito positivas para seu desenvolvimento físico e psíquico. Essas aulas não invadem o impagável período das férias e contam igualmente para o número de horas pretendido pela lei de diretrizes e bases da educação brasileira.

Não se pode obviamente colocar a culpa por isso na decisão de aumentar os dias do ano letivo, mas devemos refletir se a redução de momentos descontraídos na vida dos jovens estudantes não pode estar relacionada a esses problemas que até alguns anos atrás não existiam, o que vale também para o professor, que cada vez precisa mais de energia e motivação para satisfazer o que a sociedade espera dele.

O assunto é complexo e certamente vai dividir opiniões, mas talvez seja o caso de refletir sobre essas pressões sobre todos os envolvidos no dia a dia da educação – pais, professores, alunos etc. – e o quanto isso pode ajudar na formação escolar. A solução? Dar a palavra a quem mais deve entender do cotidiano da escola, os atores mais diretamente envolvidos e que consequentemente mais sofrem com as decisões. Ela mesma: a comunidade escolar.


Por Sandro Gomes | Professor, escritor, mestre em literatura brasileira e revisor da Revista Appai Educar.


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