Ronaldo, o fenômeno


Era setembro de 1998, e os brasileiros ouvem mais uma vez na televisão o nome Ronaldo. Nada mais natural naquele momento, afinal o nosso fenômeno figuraria facilmente nos “trend tops” das redes sociais caso elas já existissem há vinte anos atrás. O craque da seleção brasileira havia protagonizado apenas dois meses antes um dos episódios mais incomuns da história do esporte nacional, com a convulsão que teve na concentração da seleção na véspera da final contra a França, que valeria então o pentacampeonato no nosso mais popular esporte.

Por conta disso, as notícias se sucediam alucinadamente em torno do acontecido. Eram milhões de perguntas sobre o que afinal havia ocorrido ao nosso craque, teses defendendo o equívoco da comissão técnica em permitir a escalação numa final de um atleta que passara por um trauma daqueles, teorias de conspiração que acusavam os patrocinadores e dirigentes da CBF de negligenciarem em nome do mercantilismo, sendo por isso responsáveis pela derrota da seleção. Esse era o cenário midiático da época, sempre acompanhado de uma palavra-chave: Ronaldo.

Por esse motivo, pouca gente deve ter prestado atenção quando o nome Ronaldo passou a ser veiculado num contexto bem diferente daquele envolvendo o futebol. Ao lado do nome outras palavras-chave: Berlim (aonde mesmo fica Berlim?), maratona, recorde. Junto a essas, outras já familiares, como Brasil, campeão e – acreditem – fenômeno. Impossível então não firmar a atenção nas novas notícias, que podiam ser resumidas, por exemplo, com o seguinte texto: “O brasileiro Ronaldo da Costa vence a Maratona de Berlim, quebra o recorde mundial da modalidade e é o novo fenômeno do esporte mundial”.

Isso mesmo, apenas dois meses depois da derrota acachapante da seleção brasileira para a França, o Brasil voltava a ocupar o topo das notícias esportivas com a conquista do mineiro da cidade de Descoberto. Mais que uma simples vitória, porém, o feito do atleta veio acompanhado de outras circunstâncias muito relevantes para o esporte mundial. Primeiro porque o êxito na maratona foi simplesmente a maior performance de um atleta da tradicional modalidade até aquele momento. E depois porque o espetacular tempo de 2:06:05 significou a primeira vez que um ser humano completou os famosos 42.195 metros abaixo de 3 minutos por quilômetro.

Aos olhos de hoje, quando talvez se esteja muito próximo de completar essa prova abaixo de 2 minutos (em um evento extraoficial o queniano Eliude Kipchoge chegou a completar o percurso em 2:00:25), o feito de Ronaldo da Costa pode parecer algo ultrapassado, mas a verdade é que a performance do brasileiro rompeu com a ideia do impossível, isto é, acabou com a crença de que a condição física humana tinha limites intransponíveis para essa prova que é a mais longa do atletismo.

Atualmente cientistas e empresas de material esportivo se dedicam a um estudo aprofundado de todas as variantes possíveis de uma maratona, com a finalidade de viabilizar todas as condições ao alcance para que atletas de alto nível concluam o percurso abaixo de dois minutos por quilômetro. Nada disso teria provavelmente se tornado possível se o nosso Ronaldo não tivesse, como dizemos aqui, aberto a porteira.

As consequências do recorde mundial foram muito relevantes também para a própria competição disputada em solo alemão. Apesar de relativamente tradicional em termos de circuito europeu, a maratona de Berlim nem de longe pertencia à elite mundial da modalidade. Foi a vitória de Ronaldo e principalmente o recorde, que chamaram a atenção do mundo do atletismo para o percurso da prova na capital alemã. Percebeu-se então que se tratava de um trajeto muito rápido, ou seja, que reunia importantes condições para quebras de recordes como aquele. A maratona de Berlim passou a fazer parte do primeiro time do circuito mundial, sendo hoje uma das provas mais importantes da modalidade e recebendo apoio de empresas de destaque mundial como a BMW.

Outros recordes mundiais já foram quebrados no seu percurso, e por esse motivo os alemães jamais esqueceriam a contribuição do atleta para o esporte e também para a economia do país (as provas de rua são em todo o mundo eventos de alto apelo turístico, com contribuições muito relevantes em termos de arrecadação). Em função disso, ele já foi muitas vezes homenageado pela cidade, como aliás será nesse ano de 2018 por conta das comemorações pelos 20 anos de sua façanha. Inclusive vale lembrar que o recorde ainda não foi quebrado no Brasil e nem na América do Sul.

A performance de Ronaldo da Costa impressionou o mundo esportivo, mas talvez não chegasse a surpreender os aficionados pelas provas de fundo. Afinal ele já havia ganho a tradicionalíssima Corrida de São Silvestre dois anos antes e chegado ao pódio nos Jogos Pan-americanos de 1995, na Argentina, conquistando o bronze para o Brasil. O que talvez tenha sido mais surpreendente foi o fato de a prova de Berlim ter sido apenas a segunda maratona disputada por Ronaldo, até então especialista em provas menos longas, como os 10 mil metros. Assim, por tudo isso é que se pode afirmar, sem nenhum exagero, que Ronaldo – o da Costa e não o Nazário de Lima – foi o verdadeiro fenômeno do esporte brasileiro naquele 1998 em que o país mantinha toda a expectativa de chegar ao pentacampeonato no esporte que é a sua paixão nacional.

Por todas essas coisas, foi muito bom ver Ronaldo da Costa acompanhando a Meia do Porto, no início desse mês, a convite da Gigante das Corridas, que assim não só reforça a sua atuação como maior equipe de corredores do mundo e principal doadora de leite do Brasil, como também oferece ao esporte brasileiro o fortalecimento da memória nacional ao disponibilizar, principalmente aos mais jovens, o conhecimento sobre o passado de glórias de um atleta como Ronaldo da Costa.

Aliás essa ligação entre Ronaldo e a Appai terá mais um capítulo nos próximos dias 31 de maio e 1º de junho, quando o campeão será entrevistado e participará de debates com outros atletas no espaço que a associação vai montar na Rio Expo Run. Assim, você que representará a Gigante das Corridas na Meia Internacional do Rio ou na Family Run, ao retirar seu kit, poderá ver de perto o fenômeno Ronaldo da Costa, interagir com ele, se inspirar com a sua história e, claro, tirar aquela selfie ao lado do grande campeão.

A Appai que já conta com a participação de primeira linha de outro grande expoente do atletismo no país, a multicampeã Marcia Narloch, ao ajudar a celebrar os 20 anos do recorde da maratona por Ronaldo da Costa, dá mais um passo para se firmar como um dos principais agentes dessa junção de esporte, saúde, lazer e assistência social que podem ser as corridas de rua. Esperamos ver mais Ronaldo da Costa em outros eventos esportivos daqui pra frente.


Por Sandro Gomes | Professor, escritor, mestre em literatura brasileira e revisor da Revista Appai Educar.


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