Verbos anômalos, anomalias e irregularidades na língua nossa de cada dia
É muito comum ouvirmos as pessoas dizerem que a língua portuguesa é muito “complicada” por apresentar muitas irregularidades e exceções. Em alguns casos pode-se até dizer que a afirmação tem certo sentido; outros, porém, são perfeitamente explicáveis e repousam em situações bastante lógicas. Vamos a partir de agora apreciar alguns desses casos “estranhos” (alguns nem tanto, como veremos) de nosso idioma.
Os verbos Anômalos (o nome já diz tudo) são aqueles que não se contentam em ser apenas irregulares (sofrem alterações no seu radical ou em sua terminação), apresentando por isso várias formas diferentes ao longo dos tempos e pessoas. Vejamos alguns em que essas anomalias estão mais presentes. Observe algumas conjugações do verbo ir:
Vou, vais, ides (presente do indicativo); ia, ias, íamos (imperfeito do indicativo); irei, irás, irá (futuro do presente do indicativo); fora, foras, fora, fôramos (mais-que-perfeito); fosse, fôssemos, fôsseis (imperfeito do subjuntivo).
Você observou quantos radicais diferentes ao longo dos tempos? Esse realmente capricha na anomalia! Mas há outros, como o ser e o haver, todos muito usados.
Já os verbos defectivos são aqueles que não são conjugados em todas as pessoas, o que pode se dar em função de várias causas diferentes. Acompanhemos.
– Uma delas é a possibilidade de confusão entre formas verbais diferentes, como acontece no verbo falir. Já imaginaram uma frase como:
Eu falo (vou à falência) porque não sou um bom homem de negócios.
Além da clara possibilidade de confusão com a primeira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo falar, trata-se de uma frase que provavelmente será pouco empregada. A forma falo do verbo falir fica assim considerada inexistente, fazendo dele um defectivo.
– Uma outra causa para a existência de verbos defectivos é que em certas pessoas a conjugação não cairia nada bem aos nossos ouvidos. Veja alguns casos:
Eu bano (banir) da minha vida pessoas indesejáveis. / Eu demolo (demolir) uma verdade a cada livro que leio. / Eu extorco (extorquir) apenas de quem pode pagar.
Convenhamos que as formas ressaltadas nesses exemplos nos soam bem esquisitas!
– Há ainda casos de defectivos que, além de esquisitos, não encontram representação na vida real. Veja:
Verbo doer (eu doo?): ninguém pode cometer a ação de doer. Pode no máximo causar dor, mas do ponto de vista do estudo da língua isso já é outra história.
Verbo bramir (eu bramo?): a menos que você aprenda a linguagem de animais como elefantes, por exemplo, jamais utilizará esse verbo nessa pessoa.
Você poderá então perguntar como fazer caso precise usar algum desses verbos que não contam com formas em todas as pessoas. Há algumas saídas como empregar um gerúndio em alguns casos. Em vez de dizer Eu coloro um livro infantil, você poderia dizer Eu estou colorindo… Um outro recurso é substituir por um sinônimo que não seja defectivo. Em vez de dizer Eu reavo (reaver) meus bens quando quiser, poderia ser usado Eu recupero meus bens…
Bom, creio que de coisas estranhas da nossa língua já é o suficiente. A nossa meta, com esse texto, não foi reforçar a tese da “dificuldade” da língua portuguesa, mas abordar de maneira descontraída fenômenos pouco comuns, que muitas vezes nos deixam em dúvidas na hora de escrever ou falar. A propósito, eles também ocorrem em outros idiomas. Até a próxima, pessoal, e um excelente 2018 pra você que nos acompanha.
Sandro Gomes é Graduado em Língua Portuguesa e Literaturas Brasileira e Portuguesa, Revisor da Revista Appai Educar, Colunista do blog da Appai, Escritor e Mestre em Literatura Brasileira.
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