Felipe Neto e o Botafogo – A hora da estrela


E eis que nos deparamos com a notícia de que o youtuber Felipe Neto vai patrocinar o seu time do coração, o glorioso Botafogo Futebol e Regatas, numa partida do campeonato brasileiro de 2017. Segundo o comunicador, que também é empresário de vários outros ramos, inclusive de uma rede que vende coxinhas, a iniciativa ocorre em caráter experimental, mas a meta – se der o retorno esperado – é a de consolidar a parceria, que seria estendida pelo ano de 2018, aproveitando a boa exposição que a camisa do alvinegro deverá ter, como provável representante do Brasil na Copa Libertadores da América.

Vamos falar das partes envolvidas? Felipe Neto é atualmente o youtuber mais visto no Brasil e o sétimo em todo o mundo, com postagens que atingem com facilidade a marca de um milhão de visualizações. É seguido nas redes sociais por 13 milhões de pessoas, o que faz dele uma das personalidades mais influenciadoras do planeta. É fenômeno também em outras áreas da comunicação, basta ver o enorme sucesso de seu livro, que conta a sua trajetória, na última Bienal do Livro Rio, que atingiu, só de pré-venda, a marca de 25 mil exemplares.

O que ele faz no Youtube para ter esse estrondoso sucesso? Apresenta, com humor e descontração, coisas do dia a dia, que vão por exemplo desde uma reflexão sobre maus hábitos na internet até besteiróis assumidos, como experimentar doces nordestinos ao vivo e passar xampu na cabeça de alguém no ar e com os cabelos secos. Felipe não é apenas um oportunista que se deu bem na vida, como se poderia pensar a partir dessa breve descrição de seu trabalho nos vídeos.

Portador de grande talento como comunicador e poderoso diante da câmera, é ator com trabalhos em canais como o Multishow e várias peças de teatro, além de empresário e apresentador. Para tal, investiu bastante em formação, desde cursos de artes cênicas até qualificação para empresários em Harvard. De família simples do subúrbio carioca, trabalhou duro desde a adolescência em várias atividades até ter as primeiras oportunidades, conforme conta no livro.

Agora a outra parte. O que dizer do Botafogo? O clube da estrela solitária é simplesmente uma das mais importantes instituições do mundo moderno (E olha que este autor não é torcedor do clube). O maior fornecedor de jogadores para a seleção brasileira, a maior ganhadora de títulos mundiais da história, do esporte mais popular do planeta, cuja camisa já foi vestida por mitos reverenciados no mundo do futebol, como Didi, Nilton Santos e, claro, Garrincha. Precisa mais? Pra atestar a grandeza do glorioso, não. Mas precisa dizer que o clube, como quase todos do futebol brasileiro, vive na corda-bamba das finanças, lutando pra manter os compromissos.

E quem poderá ajudar o clube é justamente Felipe Neto, estampando o logotipo que representa o seu trabalho sobre as gloriosas cores do Botafogo, disputando talvez o olhar da audiência com a “sete” usada por Mané e Jairzinho ou a “oito” que foi de Didi e Gérson. Tempos modernos? Sinal dos tempos? Para uns apenas um empreendimento comercial, que vai render frutos para ambas as partes. Para outros, o retrato de um momento histórico em que instituições centenárias, que estabeleceram as raízes de um país e por isso serão sempre eternas, precisam ser financiadas por personalidades que se tornam milionárias, num mundo que as recompensa muito generosamente por fazerem coisas das quais poucos se lembrarão daqui a algumas décadas, talvez menos.

No meio desses estranhos fenômenos do século XXI os brasileiros, com a dura realidade por todos conhecida da falta de estrutura, de oportunidades, de deficiência na segurança pública, saúde e sobretudo educação. E o símbolo maior do Brasil que assiste a essas disparidades talvez seja o professor. Profissão reverenciada e valorizada em todos os tempos e lugares do planeta em que alguém pensou em criar condições superiores para um povo. Salários muito aquém da importância social, jornadas de trabalho pesadas, condições que dificultam a realização de um trabalho de alto nível e até tratamento de choque para os que resolvem lutar por reconhecimento do poder público (como vimos há pouco tempo acontecer com professores do Rio, Paraná e Santa Catarina, por exemplo, rechaçados de forma truculenta pela polícia em manifestações públicas). Essa a sina dos docentes brasileiros.

Por isso esse texto não é uma crítica a nenhuma dessas situações aqui citadas. Nada contra o sucesso profissional e financeiro de Felipe Neto, que dentro das regras do jogo vai vendendo o seu peixe a quem queira comprar. Muito menos contra o Botafogo pelo destino dado a sua centenária marca (muitos torcedores não perdoariam a atual diretoria se ela recusasse a transação e deixasse de manter o time fazendo boa campanha). Cada um sabe onde o calo lhe aperta, já dizia o ditado.

O fato é que o Brasil que permite que Felipe Neto seja um dos maiores influenciadores da juventude e seja recompensado a ponto de poder financiar o gigante da estrela solitária é o mesmo que se mostra insensível diante das dificuldades daquele que devia ser um dos seus mais importantes passaportes para uma grande nação. Assim, esse papo é com você – seja qual for a sua atividade – que na verdade permite que as coisas funcionem dessa maneira. O mundo não é um texto de teatro estabelecido pra ter sempre o mesmo desenrolar e o mesmo fim. Ele é feito de escolhas, e essas precisam ser antes alvo da reflexão. O assunto em questão talvez seja um bom começo.

*Ilustração retirada do site do Botafogo F. R.


Por Sandro Gomes | Professor, escritor, mestre em literatura brasileira e revisor da Revista Appai Educar.


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