Paródias engajadas
O reconhecimento da sociedade como realidade multicultural, que reúne uma heterogeneidade de grupos humanos e identidades, faz parte de uma discussão que não pode passar despercebida no campo da educação. Como parte integrante e constitutiva dessa sociedade, a escola tem sido chamada a buscar o entendimento destas questões e a apontar formas mais democráticas de convivência, em que todas as raças e manifestações culturais dela oriunda sejam respeitadas. Os professores Tiago Dionísio, de Geografia, e Carlos Alberto Filho, de História, tiveram a ideia de desenvolver um projeto que tratasse das questões raciais no Brasil com uma abordagem diferenciada e, assim, despertasse o interesse dos alunos das turmas do Ensino Médio do Colégio Estadual Ana Néri, em Mesquita. Desse projeto foi lançado o Primeiro Concurso de Paródias do Colégio.
O professor Tiago enfatiza que a Lei 10.693, sancionada em 2003, tornou obrigatório o ensino sobre a história dos africanos no Brasil, destacando suas artes, literatura e religião, além das suas contribuições na construção da sociedade brasileira. “Esses conteúdos devem ser ministrados nas disciplinas de Arte, Literatura e História. Porém, nosso objetivo foi fazer com que todas as disciplinas tradicionais do nosso currículo fossem inseridas no projeto, incluindo as atividades extracurriculares, como música, coreografia, figurino etc. O objetivo não é trocar a base da educação de matriz europeia – centrada no homem e na mulher branca –, mas equilibrar essas bases, respeitando todas as demais matrizes culturais, como a negra, a indígena e a oriental. E com isso desconstruir o mito da Democracia Racial, que promove um velado racismo em nosso país, tornando o preconceito racial algo nefasto e cruel como não é visto em nenhum outro lugar”, completa.
O trabalho foi desenvolvido da seguinte forma: inicialmente, os professores apresentaram o projeto às sete turmas do Ensino Médio e começaram uma série de debates sobre o tema. A partir daí, cada turma escolheu o seu padrinho ou madrinha do projeto, que podia ser qualquer professor ou funcionário da escola. Os alunos fizeram as divisões das tarefas e partiram para a etapa de pesquisa, que culminou com a elaboração da paródia e da forma como ela seria apresentada à comunidade escolar, que poderia ser uma dança coreografada, um esquete teatral, uma demonstração culinária ou qualquer outra manifestação artística. Os professores definiram os parâmetros e, dentro deles, os alunos tiveram liberdade criativa.
As apresentações aconteceram na sede do Mesquita Futebol Clube em um clima de megaevento. Cada turma contou com torcida organizada, composta por familiares, amigos e até por alunos das turmas do Ensino Fundamental que também fizeram questão de participar dos bastidores das apresentações. “Um dos pontos altos do projeto foi observar a integração e a solidariedade entre as turmas. Numa sociedade que valoriza a competição, foi gratificante perceber que elas torciam umas pelas outras, reconhecendo todo o esforço empreendido em estarem ali. Após cada apresentação, os alunos cuidavam para deixar o espaço limpo para a próxima turma”, relembra o professor Carlos Alberto.
Para dar um tom de seriedade e imparcialidade ao concurso, o júri foi composto por pessoas ligadas às artes e à educação do município. Ao final das apresentações, a turma vencedora foi a 2001, que apresentou uma paródia à música Hot N’ Cold, da cantora pop americana Katy Perry. “Os pontos diferenciais na nossa turma foram a organização e o planejamento. Definimos representantes para liderar a turma inteira. Dividimos as responsabilidades de acordo com a aptidão de cada um”, declara a aluna Stephanne Lima. Jessé Macedo e Ingrid Ferreira encabeçaram o grupo de redatores que ficou com a missão de produzir as rimas. “Estamos muito orgulhosos por essa vitória que despertou a autoestima de todos nós. Nossa turma tem altos e baixos, como em qualquer outra. Mas esse projeto nos uniu de tal forma, que acabou com os grupinhos que não se falavam em sala e que agora são todos amigos”, afirma Roger Ferreira.
Tanto a turma vencedora quanto a vice-campeã ganharam como prêmio um passeio a um parque aquático em Santa Cruz. Para a diretora Fátima Maria Muniz Amaral, a escola toda foi a grande vencedora. “Essa iniciativa movimentou alunos, pais, professores e funcionários. Todos fomos beneficiados. Cada aluno conquistou o seu prêmio particular. Em alguns, foi despertado o espírito de liderança, em outros ajudou a quebrar a barreira da timidez. Com isso, pretendemos dar continuidade à atividade, tornando-a um projeto permanente na escola, aprofundando as discussões e contribuindo para o amadurecimento dos nossos alunos” conclui.
Deixar comentário