Conhecer o colorido universo brasileiro é combater o racismo
Conhecer o colorido universo brasileiro é combater o racismo
“Ontem contra a escravidão, hoje contra o racismo”, a citação de Diva Moreira – ativista do movimento de mulheres negras – na entrada da quadra do Colégio Estadual Fernando Figueiredo, no bairro Imbariê, terceiro distrito da cidade de Duque de Caxias, convidava a comunidade escolar para investir na conscientização sobre a importância cultural do negro na história do Brasil. O projeto Consciência Negra/2012 visa possibilitar aos estudantes (negros e não-negros) a oportunidade de se conhecer, bem como às suas origens, para que aprendam a gostar de si mesmos e de seu povo, convivendo com a diversidade de maneira respeitosa e pacífica.
Adriana Bento, diretora-geral, afirmou que a proposta deste projeto pedagógico fora apresentada no início do ano e cada disciplina buscou, dentro do currículo mínimo, trabalhar com o tema produzindo reflexões e conteúdos específicos. Todas as atividades foram registradas em atas e disponibilizadas para todos os docentes dos três turnos.
“O registro em atas possibilitou o trânsito das informações entre os professores que não teriam condições de estar em reuniões no colégio para o planejamento e execução do projeto”, disse Marcia Marília Santos, diretora adjunta, ao elogiar o empenho da comunidade escolar na culminância das atividades pedagógicas.
As responsáveis pelo projeto, professoras Ângela da Costa Simões, de História, e Fabiana Gomes, de Sociologia, observaram que a Lei nº 10.639 e, posteriormente, a 11.645 – que alteraram artigos da Lei de Diretrizes e Bases, obrigando à introdução do ensino de História da África, Cultura Afro-brasileira e Indígena nos estabelecimentos de ensino públicos e particulares – são simbolicamente uma correção do estado brasileiro pelo débito histórico em políticas públicas, em especial para as populações negra e indígena.
Trabalhar com esta temática não é tarefa fácil, por vários fatores, como a formação do profissional de Educação, que está presente em todas as áreas de uma unidade escolar. Mas, como salientou Fabiana, trata-se de um instigante desafio. “Aprendemos muito durante o processo, a começar pelo mapeamento dos docentes com quem poderíamos contar a fim de pensar o projeto pedagógico e incentivar outros professores, inclusive dos outros turnos”.
Os professores Claudio, de Filosofia; João, de Geografia; Rita, de Língua Portuguesa; e Marta, de História, estas duas últimas lecionando no 6º ano, apostaram na construção do projeto desde sua etapa inicial. Por conta da personalidade homenageada – Hilária Batista de Almeida, a Tia Ciata, uma das responsáveis pela criação do Samba no Rio de Janeiro –, os alunos foram incentivados a pesquisar biografia, dança e apresentação de um samba de raiz cantado por eles. A ornamentação da quadra foi outro ponto de destaque. Em uma das paredes, figuravam mapas do continente africano com a indicação de quatro países de colonização portuguesa, exposição de roupas, máscaras e cerâmicas alusivas às culturas do continente.
A produção do desfile da beleza negra mereceria um capítulo à parte na construção deste projeto: muita resistência por parte dos alunos que não se percebem bonitos. “Acham que ser negro é feio, pois tudo que lhe é relacionado é apresentado de forma estereotipada, negativa, feia, sempre ligada à falta de alguma coisa – de educação, de saneamento básico, de estudos, de cidadania, de respeito ao próximo, de beleza. Este estereótipo negativo é reforçado e revisitado o tempo todo pela mídia, que cristaliza a inexistência de uma beleza, de uma história de lutas e de ter sido o negro – junto com o indígena e o branco – base da constituição deste país”, disseram as professoras, salientando que debateram os conceitos de beleza usando como recursos livros de autores como Ney Lopes e Ana Maria Machado; filmes como Kiriku e a Feiticeira, Bonecas negras e brancas; e músicas como Kizomba – Festa da Raça e Lavagem Cerebral, de Gabriel o Pensador.
O desfile em si acabou ficando bastante original, pois os alunos optaram por sair do senso comum de roupas estilizadas numa perspectiva tribal. Os adolescentes simplesmente mostravam-se como são, jovens negras, pardos ou mestiços brasileiros, vestidos com suas roupas cotidianas. Ficou muito interessante, simples e muito bonito.
Segundo Fabiana, uma comissão foi montada pelas normalistas para auxiliar os alunos no desfile, e as professoras integraram o júri. Os trajes eram informais, com roupas leves e coloridas, que poderiam lembrar a herança cultural através das cores vivas utilizadas pela população brasileira. Os critérios do desfile da beleza negra do Ensino Médio, cujo tema foi “O esplendor das cores no universo brasileiro e africano”, eram simpatia, trajes/vestuário, originalidade/acessórios e desenvoltura/desembaraço.
De acordo com o professor João P. Chagas, os estudantes evitam falar em preconceito para evitar a exclusão, em especial o aluno negro, que para ser incluído no grupo se cala diante das discriminações que sofre. Ele tem medo de se prejudicar e não ser aceito pela comunidade branca ou que se vê branca. João, em suas atividades de sensibilização, usou o filme “A história de um soldado”, dirigido por Norman Jewison, a partir da peça de Charles Fuller premiada com o Prêmio Pulitzer. Nos anos 1940, uma época de muito racismo, um sargento negro, Waters (Adolph Caesar), é assassinado numa base militar em Louisiana. O caso é investigado por um promotor que é um dos raros advogados negros da época. Inicialmente homens brancos eram suspeitos, mas a história contada em flashback mostra que pessoas de ambas as raças tinham motivos para matar Waters. O trabalho do advogado é dificultado pelo preconceito racial, pelo medo dos soldados negros e pela falta de colaboração dos comandantes.
“A partir do tema principal – Tia Ciata – trabalhei a história do continente africano, com sua configuração antes do tráfico negreiro, quando havia os grandes impérios como os reinos de Gana, Benin, Askun, Ifé, entre outros. Também abordamos as rotas de comercialização dos muçulmanos na África e no Brasil, em especial dos grupos que foram para a Bahia”, ressaltou o professor João.
Tendo ao fundo o som do berimbau, Xaruttinho, Leandro de Souza, docente integrante do grupo União Capoeira, convidou os presentes para uma roda, que incluiu também apresentação de samba de roda e maculelê. A animação foi tão contagiante que o professor Mendonça, de Educação Física, aceitou o desafio e entrou na roda mostrando seus dotes de capoeirista para a alegria da comunidade escolar.
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