Professores e pais: o que ainda há para além das linhas em 2017? A situação de negros e índios
Fui alfabetizada em São Paulo, entre os anos de 1975 e 76, tendo como material didático principal a tão conhecida cartilha “Caminho Suave”, de autoria da professora Branca Alves de Lima. E o processo foi o mesmo com vários educadores colegas meus. Naquele tempo, não tínhamos acesso às novas tecnologias, por isso a tecnologia principal a ser consultada e “consumida” (pelas crianças em formação) era a cartilha.
A “Caminho Suave” apontava os modelos conservadores de família ideal para a época: mãe na cozinha ou servindo, pai na poltrona lendo, filhos brincando ou estudando, os avós na janela da casa ou na pracinha (avô lendo e avó tricotando), cachorrinhos no quintal.
A edição da cartilha que utilizei (não revista nem atualizada) não trazia nenhuma imagem de negro ou índio, todos os personagens eram brancos, de cabelos lisos. Era como se famílias compostas, por exemplo, por avó, tio e neto não existissem, como se negros e índios não fizessem parte da realidade brasileira, como se a tarefa de limpar, cozinhar e servir fosse sempre da mãe, enquanto que o pai era aquele que pensava e tinha acesso aos bens culturais.
Todas as crianças eram muito bonitas, de bochechas rosadas, arrumadinhas em seus uniformes impecáveis. As malas escolares eram de couro brilhoso, e o caminho, naquelas imagens, parecia mesmo suave.
O tempo passou, estamos em 2017, e lá se vão mais de 40 anos. Quatro décadas. Passamos por uma grande revolução tecnológica, e a Era Digital está aí, mas continuamos sabendo pouco, por exemplo, sobre os negros e os índios. Como educadores, pais e cidadãos precisamos colocar em pauta essa discussão.
Tenho conversado com muitos educadores que expressam não ter tido em sua formação inicial e continuada nenhum acesso ao tema. Posso afirmar que isso é mesmo um fato, pois, como educadora, também passei pelo mesmo problema, até o dia em que uma infeliz situação em sala de aula (uma criança negra sendo hostilizada por um colega de sala) me fez buscar ajuda. Então percebi a dimensão da falta de conhecimento, apatia e conformismo quanto à questão.
Passei a compreender que há uma população marginalizada no Brasil. Negros e índios estudam menos, têm salários menores, enfrentam enorme preconceito da sociedade, que, às vezes até hipocritamente, se esquiva do assunto. Mas muitas vezes esse afastamento acontece por desconhecimento do real sentido da palavra “preconceito”, que, conforme definição do Houaiss (grifos meus), significa “qualquer opiniãoou sentimento, quer favorável quer desfavorável, concebido sem exame crítico” ou “ideia, opinião ou sentimento desfavorável formado a priori, sem maior conhecimento, ponderação ou razão”.
Então convido educadores, pais e cidadãos a usar a mais avançada tecnologia existente, a de mais alto nível, que é a nossa mente, para compreenderque (para além das linhas) há desigualdade racial no Brasil, para abandonar o preconceito, e a partir dessa compreensão buscar desenvolver um trabalho educativo que aponte novos horizontes com efetivo desenvolvimento humano, tão necessário e urgente nos nossos dias.
Este texto foi uma breve introdução. No próximo, o tema será aprofundado, e então discutiremos de que forma os educadores podem contribuir para a conscientização e o exame crítico sobre a desigualdade racial no Brasil.
Como degustação, acesse os vídeos: https://www.youtube.com/watch?v=Sq4z2Vq2K1w e https://www.youtube.com/watch?v=29kzSogJESU&t=14s e conheça um experimento feito com crianças (entrevistas), que aponta de forma muito direta que “o racismo é mais forte do que todos pensam”.
Por Andréa Schoch | Mestre em educação, especializada em formação de professores e consultora Appai por meio da EAD.
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